segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ferramentas ou grilhões

Ferramentas digitais que permitem que você crie coisas de forma mais fácil, como geradores de personagens ou auxílio para um mestre manter todos os efeitos ativos com um timer que “desliza” a cada rodada, avançado de forma automática e tirando isso das anotações do mestre. Tudo tem uma faceta enorme de conveniência e são capazes de acelerar uma ficha que levaria horas em apenas 10 minutos com uns cliques, com as mesmas escolhas nas pontas dos dedos. Mestrar com um laptop com esses programas pode acelerar e melhorar a experiência de forma tremenda.

Cito como exemplo, geradores de personagens de M&M e o onipresente Character Builder da Wizards. E é desse ultimo que esse artigo se tratará.

É uma solução perfeita do ponto de vista mercadológico: é um programa feito para suprir uma necessidade inexistente, cujas funções o fizeram tornar-se indispensável na mesa de jogadores mais modernos, que não tem tempo para desperdiçar com cálculos longos de ficha, poderes e ajustes. Um nicho com peso de mercado inexistente, criado pelo lançamento desse programa que se tornou parte integrante de muitas mesas. As vezes até substitui os livros, já que conta com atualizações bimestrais.

Até onde você, como autor, mestre ou narrador pode quebrar as regras para criar situações interessantes? Andei lendo que campanhas da 4ª edição de D&d com regras e criações caseiras (o famoso “homebrew”) são encaradas como inferiores à aquelas oficiais, graças a uma iniciativa de integração com as ferramentas online. Afinal, sua mesa não tem suporte do CB, quem diabos você acha que é? Sabe mais que os designers? Claro que não.


Houve também um movimento grande de comodismo gerado pelas ferramentas online; certos jogadores (Né, Balth?) se recusam a sequer fazer fichas sem geradores ou mesmo ler os livros: sim, clicar é mais fácil mas perde-se boa parte da experiência “exigida” para a criação do personagem ou mesmo conhecimento do que diabos tu tá jogando. E além disso, exige também o comodismo-mor, presenciado recentemente com o lançamento da linha Dark Sun (após ANOS fora de linha), com seu livro de campanha.

Eis que surgiu um movimento de quase um terço dos integrantes nos fóruns da Wizards, porque mesmo com os livros os jogadores não poderiam usar o material e mestres não poderiam mestrar: as atualizações correspondentes do builder não existiam ainda! Portanto, os grupos eram impedidos de... jogar Dark Sun, mesmo com os livros fisicamente em mãos porque o programa não dava suporte. Mesmo anos de espera por parte dos jogadores não era grande o suficiente para os libertar das ferramentas que “auxiliam”, e tornaram-se parte tão integral que não foram ignoradas. Não é uma regra geral: muitos grupos começaram a jogar no próprio dia do lançamento, mas em proporção bem menor.

Aí entra a pergunta: isso de comodidade se tornou comodismo?

sábado, 2 de outubro de 2010

Críticas e pontos de vista: porque é tão dificil de entender?

“De várias maneiras, o trabalho de um crítico é fácil. Nós arriscamos muito pouco e, a despeito disso, desfrutamos de uma vantagem sobre aqueles que submetem seu trabalho, e a si próprios, ao nosso julgamento. Nós nos refestelamos escrevendo crítica negativa, que é divertida de escrever e de ler. Mas a verdade amarga que nós, críticos, temos que encarar é o fato de que, no grande esquema das coisas, até o lixo medíocre tem mais significado do que a nossa crítica assim o designando. Mas há momentos em que um crítico verdadeiramente arrisca algo, e isso ocorre na descoberta e na defesa do novo. Noite passada, eu experimentei algo novo, uma refeição extraordinária preparada por uma fonte singularmente inesperada. Dizer que tanto a refeição quanto quem a preparou desafiaram meus preconceitos é uma grosseira simplificação. Ambos me abalaram em meu âmago. No passado, não fiz segredo do meu desdenho pelo famoso lema do Chefe Gusteau: Qualquer um pode cozinhar. Mas só agora verdadeiramente percebo o que ele queria dizer. Nem todo mundo pode se tornar um grande artista, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar. É difícil imaginar alguém com origem mais humilde do que o gênio agora cozinhando no restaurante Gusteau’s e quem, na opinião deste crítico, não é nada menos do que o maior chef da França. Estarei voltando ao Gusteau’s em breve, faminto por mais”.Anton Ego, Ratatouille.

Esse texto saiu depois de uma breve reflexão após ver um filme da pixar, o Ratatouille (alias, se você não viu, veja. É excelente.) É tocante não só na minha própria visão pessoal do que seria aceitar a opinião alheia, mas como fonte de questionamentos. E é claro, causado por um 'mero' filme de animação. =)

Uma crítica é algo difícil de ser feito com sucesso. Escolher o caminho fácil, ambos extremos da crítica-propaganda de bajulação que evita tocar em qualquer ponto negativo de um trabalho amado, ou da crítica-destrutiva ácida, que denigre qualquer tentativa de novidade ou afirmação do trabalho.

Ambas são fáceis de serem feitas, e ainda mais fáceis de serem lidas como se fosse a verdade; é o efeito de pregar para o coro: sabendo da opiniões positivas ou negativas de sua audiência é uma simples forma de falar o que querem ouvir.

Da mesma forma, uma crítica depende do seu ambiente: num local neutro é lida pelo seu valor, mas o contexto afeta essa aceitação. Uma crítica colocada num ambiente dito como positivo ou negativo afeta como as pessoas são capazes de aceitar a mensagem. Argumentos (vazios) como “se você é capaz de criticar, porque não faz melhor” são muito comuns no caso de críticas negativas a algo amado.

E porque criticar é tão difícil? Simples: porque você expõe sua opinião, e como tudo, ela é algo extremamente pessoal. As pessoas não gostam de ver opiniões contrárias as suas, e opiniões que afirmam suas convicções pessoais são aceitas e reforçadas como a mais verdadeira verdade.

E como mudar isso?

É fácil comentar sobre “Aceitar novos pontos de vista”, “mantenha uma mente aberta” é um bom começo, mas acima de tudo, existe algo mais profundo envolvido. É saber que o crítico possa ter falado alguma verdade sobre o trabalho, independente do seu próprio (você, leitor, não o crítico) ponto de vista.

“Mas ele insultou meu prato / filme / livro / cantor favorito!” – brada o fanático da fila da esquerda, com uma tocha e um tridente na mão.

Aprenda a lidar com isso. Críticas geralmente têm um fundo de verdade; mesmo a pior das críticas tem algum embasamento (nem que seja o gosto pessoal do crítico). Você não precisa mudar o seu ponto de vista, mas é possível entender algo pelo ponto de vista de outros. Se há justificativas do porquê algo que você ama é odiado e algo que você odeia é amado, vale a pena ver se são razões válidas, mesmo que não para você.

Aceitar uma crítica é, acima de tudo, sinal de crescimento, maturidade. E aceitar que uma crítica, mesmo que aparentemente não tenha embasamento com argumentos furados como “fulano escreveu N livros, se você fosse tão bom, escrevia melhor e vendia mais” é melhor você parar e refletir: você não precisa ser um escritor para interpretar um livro, nem chef para analisar um bom prato. Mesmo sem saber jargões ou termos técnicos, a opinião sincera de uma pessoa é tão (ou até mais, pois não é presa em termos) livre que de um especialista comentando sobre outro.

É claro que isso estaria associado ao culto a celebridades e subcelebridades como fonte mais confiável de informações, e pessoas comuns como fontes com menor credibilidade ou peso, mais isso é assunto para outro post. Au revoir, mon ami.

Um adendo: Meu amigo Kear (também conhecido como Wilken) me passou um post (também usando o Anton Ego como imagem!) com um ponto de vista que complementa, e discorda do meu ponto de vista em diversos momentos. E isso é um perfeito exemplo que ilustra meu texto (e o dele!).

Eis o link. http://scottmccloud.com/2009/10/14/on-criticism/

Adendo 2: Texto da epígrafe traduzido, como pedido pelo Madruga (vulgo, Felipe).