sábado, 30 de abril de 2011

Aprendendo a parar de rotular jogos

(ou, Old School, Otimização, Pringles e Häagen-Dazs)

Depois de uma discussão relativamente infrutífera sobre a "definição verdadeira do que é Old School" no RPG (particularmente em D&D, esse lindo), acabei alcançando a minha própria:

Oldschool refere-se ao ideal utópico de um passado, onde tudo era mágico e novo e possível.

O sentimento de descoberta e de aprendizado, nunca vai se repetir; aquele momento mágico onde o nerdão adolescente ostracizado por ter espinhas demais na cara e só falar de videogames seus e amigos, ao descobrir que pelo menos na sua imaginação ele poderia ser um poderoso mago que voa e chove meteoros nos valentões.

Alô, isso é autovalidação e romantização do passado. Não foi aquele sistemazinho e cenariosinho de merda que proporcionou essas aventuras; foi você e o seu grupo, seu Grognard!

Filtro nostálgico não é sinônimo de qualidade. Lembra que eu falei ali em cima do sentimento de descoberta? Então. Quanto mais velho você fica, tudo não parece tão repetitivo? O sentimento de descoberta, como mencionei ali em cima, nunca mais vai voltar.

Algumas coisas antigas são legais por sua tosquice inerente. Um sistema de RPG, não é uma dessas coisas. =P

A primeira vez você nunca esquece, isso é um fato da vida. Seja seu primeiro beijo, seu primeiro jogo de RPG ou primeiro carro. Você sempre vai ter memórias (nem sempre boas, mas) duradouras disso. Existe duas formas de se lide com isso: aprenda a encarar novas coisas ou reclamar pro resto da vida que antigamente era melhor, sem nenhuma base além da nostalgia.

O que me leva aos pontos mais importantes pra derrubarem o valor de que o Old School é bom porque ressalta os seguintes valores:

●O jogo exigia interpretação de verdade, hoje em dia é só número!
●O jogo não era quebrado assim, com combos e otimizações
●Não tinham essas coisas estranhas como por exemplo, esses tais de dragonbords
●As ilustrações passavam um clima melhor

Vamos analisá-las individualmente:

Primeiro

Otimização não é sinônimo de eliminar a interpretação do personagem; também chamada de "Falácia de Stormwind", isso representa que os dois conceitos não são mutuamente exclusivos.
The Stormwind Fallacy, aka the Roleplayer vs Rollplayer Fallacy
Just because one optimizes his characters mechanically does not mean that they cannot also roleplay, and vice versa.

Ou, em bom português:
Não é porque um jogador otimiza seu personagem que ele não possa interpretar e vice-versa.
Não é porque meu personagem é um elfo otimizado a disparar 12 flechas por rodada, causando um mínimo de 168 e um máximo de 408 de dano que eu não vá interpretá-lo.

(fato interessante: esse combo é de AD&D, puristas!)

Segundo

D&D ainda é o mesmo jogo. 4 classes mesmas classes que enfiam-se no buraco mais próximo cheio de monstros e procuram matar um ecossistema fechado em busca de glória, ouro e XP. Isso existia tanto em 1979 como hoje em 2011.

Qual é a grande diferença? Otimização? Sempre esteve aí. Papéis de combate? Sempre existiram, mas nunca foram abertamente discutidos.

Por um lado, eu digo que a 4ª edição de D&d trouxe muito mais trabalho em equipe do que antes. Um mago em AD&d era simplesmente intocável, e um clérigo ou druida na 3ª edição eram tão poderosos que receberam a derrogatória de CoDZilla (Cleric or Druid Zilla), com toda razão.

São só as edições novas que tem coisas apelonas, como PunPuns e Hulking Hurlers? Claro que não. Mas antes, estavam de mão beijada pros conjuradores e pra jogadores curiosos a fuçarem em livros; exatamente como continua sendo e sempre será.

Levitar em AD&d, basicamente era uma magia de morte automática contra inimigos em locais sem teto e sem deslocamento de vôo (não permitia teste de resistência e não tinha limite de altura). Levante, derrube, levante, derrube até matar. Parece piada ruim, não é?

Terceiro

Diferente é bom. Se for pra jogar mais do mesmo, sempre, não precisaríamos de outros sistema(sinhos) e cenario(sinhos). Nem precisariamos de módulos diferentes. Teriamos o UM rpg, que se joga de uma forma.

Exemplo: A corrente que dita "magia é ok e "psionismo é ruim"!

Que!? Como assim "psi é sci-fi demais"? Tudo depende do contexto. Percebam que se o contexto fizer sentido, é algo que tem mais peso que "a magia funciona porque é uma internet mágica inventada por uma deusa". Cito Dark Sun de exemplo onde todo mundo (literalmente, todo mundo) tem algum potencial para psionismo.

Exemplo 2: Dragonborns

Os simpáticos draconatos foram alvos de críticas ferrenhas, porque agora D&D virou MMO já que se pode jogar com monstros, ainda mais como se fossem dragões. Gasp, como ousam fazer isso no meu RPG!? Alias, Dragonlance mandou abraço, porque foi o primeiro a fazer isso.

Não é como se monstros humanóides fossem uma novidade. Rakshasa estão aí desde a primeira edição. Qual é o problema em sair do mais do mesmo de gnomos, halflings, anões e elfos?

Quarto

E sim, é a mesma monstra; em ambas ilustrações, era pra ser uma ameaça. Numa delas, ela parece! E nem me lembre do Flumph.

Conclusão

Sacou alguma semelhança entre as edições, todas? Combos exdrúxulos em todas, assim como design geral sendo distorcido pelos jogadores sedentos por otimização? E qual é a diferença entre elas? Os detalhes, pois a base ainda é a mesma.

Não é porque você jogou essa ou aquela primeira, e tudo que veio depois (ou antes) é lixo, automaticamente. Coloque os preconceitos de lado, e tente retirar os óculos de nostalgia. 30 anos de avanços são coisas demais para sem ignorados.

A menos que você esteja lendo esse texto num MSX. Aí você é foda. (Digidin digidin.)

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Não seja mala, mestre!

Alerta: Muralha de texto. Hooooooo!

É uma generalização grosseira até, mas boa parte dos jogadores de rpg já passaram - ou pior ainda, já fizeram - uma situação em que a decisão e o controle do personagem é feita pelo mestre.

Perceba que não falei em situações como acreditar em blefes ou se sentir intimidado, e sim cenas onde a decisão deveria partir do jogador.

Talvez, em busca de uma cena mais dramática, uma decisão que parece "óbvia" e "condiz com a personalidade de seu personagem", faz com que o jogador perca o controle temporariamente de seu personagem justamente porque o roteiro e desígnios do mestre assim o pedem.

Dessa forma, um jogador de um brujah (faz tempo...) não tem decisão sobre sair ou não de um combate. Ele é um brujah, oras, e brujahs lutam!

Pára tudo, aperta o freio. Como assim? A proposta do jogo não é que o personagem seja meu? Não é sou eu quem controla as ações dele?

Por exemplo, ao invés de perguntar o que o jogador faz quando está na porta da grande mansão do governador, o mestre começa a descrição da porta e corredores, terminando com um "você quer ir pra esquerda ou pra direita?". Todo processo de decisão foi eliminado para uma introdução "cinemática".

Outra coisa desagradável é enviar os personagens correndo e gritando com as espadas desembainhadas na direção do vilão, e aí, é óbvio, eles ficam parados encarando ele enquanto o maldito faz um discurso e termina-se com "rolem a iniciativa" e "fulano, você está mais perto porque... Hum... Eu quis".

Muito comum em aventuras prontas, onde há pequenas (se você for sortudo, serão pequenas) caixas de texto com os dizeres "Leia isso para seus jogadores", enquanto os personagens (e jogadores) ficam olhando enquanto o mestre lê em voz alta todo plano mestre e motivações do inimigo para transformar todos humanos em guaxinins-ornitorrincos e com isso criar uma nova ordem mundial.

Algumas aventuras prontas utilizam unicamente esse recurso como forma de passar a história; seguem uma estrutura rígida de forma que as ações dos jogadores não podem invalidar o roteiro e história previamente preparada, os jogadores tornam-se quase espectadores. Pior ainda quando o clímax é resolvido num duelo(épico) entre NPCs, o que faz com que a participação dos jogadores resuma-se a "seguir o npc chave até o final e assistir a luta".

E pro escritor, o que seria o clímax da aventura, com o parágono do bem enfrentando o poderoso vilão, na verdade não passa de um modo de transformar os jogadores em aprendizes de Falcão Bueno, cujo papel é comentar a luta.

Como quase tudo nesse jogo, se isso for feito de forma bem trabalhada, é -possível- que os jogadores venham a se lembrar como a luta entre dois campeões do bem e do mal (ou seja lá qual for a ideologia defendida por cada). Se for feito de forma ruim, vai ficar ainda mais evidente que as ações dos jogadores não valeram de nada no roteiro. Pra que se esforçar e se engajar no jogo, se no final, tudo que você faz é irrelevante? Bem, não deveria ser!

A famosa aventura "A Mais Longa das Noites", aventura introdutória de Reinos de Ferro (um ótimo cenário, alias) é ao mesmo tempo um exemplo clássico de "siga o npc até o final", com o diferencial de que apesar do livro ser uma história fechada, tem mais opções de "o que pode acontecer caso isso mude" que grande parte das outras aventuras prontas que já li. Claro que temos uma forte... sugestão de seguir a aventura nos trilhos (por exemplo, o livro admite que Alexia precisa escapar no final da primeira parte, senão não tem aventura). Então, se o mestre quiser usar os três livros que comprou, independente dos esforços dos PJs, vai deixar a Alexia fugir. Mesmo que amarrada e amordaçada por jogadores paranóicos.

(Obviamente, existem outras, mas esse exemplo foi mais relevante que eu lembrei, e que os livros eu tinha a mão.)

Ou seja, o verdadeiro problema não está em, ocasionalmente, tomar as rédeas da coisa toda de forma inteligente e levar o jogo adiante, mas sim em abusar do controle e fazer o máximo possível para evitar que os jogadores escapem do roteiro pré-definido que você se matou pra criar e decorar. A questão é: se o enredo é tão bom assim que deve permanecer intocado pelas decisões dos jogadores, o melhor é você aproveitar e escrever um romance com ele.

RPG: Serious Business

Aliás, vamos fazer um experimento interessante. Pare de ler isso e imagine que você está explicando "o que é RPG" pra uma pessoa que nunca viu isso e não sabe o que é esse jogo, nem nunca ouviu falar (talvez por alto).

Imaginou? Okay, deve ter sido algo como "Ah...É um jogo parecido com teatro, só que não tem um roteiro fixo, onde todos os participantes tem vez".

Ênfase nessa frase: Não tem um roteiro fixo.

Afinal, o mais importante do RPG (depois da diversão e das overdoses de coca, lanches e café) é montar uma história em grupo. Aliás, os jogadores não querem seguir uma história que só você inventou, porque provavelmente a sua história é baseada em FF7 ou Ocarina of Time e eles já tem isso em casa no playstation deles, com trilha sonora, button mashing, grind, gráficos bonitinhos, ninguém pra gritar com eles dizendo que estão tomando as decisões erradas no jogo e nenhum compromisso em ficar marcando sessão. (Exceto aquela maldita árvore Deku. Como eu odiava aquela maldita árvores.)

Mestres e jogadores deveriam trabalhar juntos na criação de uma história (nem sempre coesa, mas coletiva), mas por sem nenhuma chance de dúvida, divertida para todos ao redor da mesa (ou todos na sala de bate papo, ou fórum, ou o que seja). A visão do Mestre não é a mais importante e nem deveria ser a única, da mesma forma que um jogador "estrela" deve ser o mais importante da mesa, independente se é uma menina bonita que o mestre quer xavecar (me senti com 40 anos nessa expressão), melhor amigo, irmão, ou o oposto, um jogador que sempre pega os piores inimigos e situações, porque é alguém que o mestre tem algum conflito (fora do jogo).

Vamos ser honestos: Ninguém se diverte com isso. Por mais 'sutil' que seja o roubo, jogadores não são burros e percebem quando alguém tem poder e/ou importância a mais. Ainda mais quando não são eles!

Fazer com que a história gire ao redor de um personagem é possível, mas com a concessão e concordância de todos envolvidos. Já ouvi (e presenciei em mesa, o que é pior) causos horríveis de grupos que se fragmentaram por isso (alias, um dos meus grupos acabou por isso!). Se num determinado momento as decisões de todos jogadores menos um ou dois forem consideradas dentro da história, sem nenhum aviso prévio nem motivo real além da implicância alheia, tem realmente algo de errado aí.

Como dito antes, a interação com os jogadores pode, se encarada como algo relevante pelo mestre, levar a história original programada a diferentes rumos. Rumos que o mestre sequer cogitou. E isso é algo ruim? Depende de que lado do escudo do mestre você está. Se é um jogador, é maravilhoso: suas ações estão surtindo um efeito visível e o mundo de campanha é algo que você pode interagir. Para o mestre não-flexível, pode ser um pesadelo: são dias, e as vezes semanas (dependendo da organização do cara, meses) de preparação jogados fora, com a história tendo um desfecho diferente daquilo que foi planejado com antecedência, impedindo você de fechar as pontas soltas num final digno de obra de arte.

Sei que é uma afirmação bem exagerada pra em ambos lados, mas é uma verdade em escala menor. Ninguém planejaria uma campanha com duração de um ano e gostaria que seus planos fosse por água a baixo na primeira sessão, quando um jogador desconfiado / paranóico ataca e vence o vilão antes que ele traísse o rei, ou o espião que deveria ser um adversário recorrente e se redimir perto do final campanha.

RPG na Internet: Ainda MAIS Serious Business.

Acaba caindo no velho caso da flexibilidade e capacidade de improviso do mestre, e um bom "jogo de cintura". Um mestre rígido demais acabaria a campanha ali, e um mestre extremista, acabaria na hora; um mestre mais flexível utilizaria esse fato para que de alguma forma os resultados das ações do PJs, mesmo que atrapalhassem seus planos do grande vilão, pudessem ter um desfecho lógico.

Diga-se de passagem, um mestre flexível se permite o privilégio de ser surpreendido pelos jogadores, de ser desafiado a criar uma história coerente com acontecimentos fora de seu controle, possivelmente de até se emocionar com sua própria história, ou de ver ela se tornar algo ainda melhor diante de seus olhos.

Utilizando o mesmo exemplo, após os jogadores eliminarem o espião, essa atitude deles serviu para que se tornem alvo prioritário do vilão, já que foram capazes de interromper um plano dele. Além disso, os vilões raramente trabalham sozinhos. E seus aliados, seu clã, sua família? E se o rei não entender que as ações dos PJs foram na intenção de salvá-lo, e resolver punir os personagens com uma boa estadia na masmorra mais próxima por matar um de seus conselheiros sem provocação? São tantos "e se?" que um mestre esperto pode simplesmente remodelar o início da aventura pra algo condizente com a situação atual, e não perder seus "meses de preparação".

Enfim, são inumeras as possibilidades de conduzir um grupo até uma certa aventura sem puxar os personagens pelo cabelo até a fuça do vilão e dizer "rolem a iniciativa", não existe argumento que justifique o controle exagerado que certos narradores exercem em suas campanhas, já foi dito e aqui será novamente repetido: o importante do jogo é diversão, e poucos jogadores vão se divertir num jogo desses, especialmente depois de terem participado de jogos mais livres. Ou "menos sérios, pff" dirá o mestre mala.

Olha só outro termo nebuloso: "Jogar sério"

O que nos leva a outro péssimo hábito que alguns mestres tem, escolher qual vai ser o clima do jogo sem consultar seus jogadores, alguns dos exemplos mais comuns são ralhar com alguém ("você tá avacalhando com o jogo, velho! Tá achando que é brincadeira?") por causa de piadas que fizeram os demais rirem ("Quebrou o clima de tensão, menos 10% de XP"), fazer qualquer estratégia que não seja sacar uma espada e gritar "chaaaarge!" falhar - ou o oposto, colocar combates absurdamente dificeis, "vocês precisam resolver na estratégia, mey! É pra pensar!", mesmo que a estratégia seja obvia pra o mestre... porque como criador da única forma de vencer a criatura / inimigo (algo "intuitivo" como atingir o golem de 3 metros de ferro com um frasco de água benta para anular sua imunidade a tudo), é óbvio para ele (mas não para os outros).

Entre outras formas de "ditadura". Hmm... Isso pode ser expandido para outro artigo. Algum outro dia, eu acho.

Ps Importantíssimo: Esse artigo só pode ser feito com a imensa colaboração da DarkLady com seus eternos 13 anos, Wilken / Kear, capaz de fullparrear enquanto faz corner pressure e da Myako, minha namorada jailbait, sua linda!

tl;dr: Não seja mala, mestre!