sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Retrospectiva D&D: Conjurador, a ultima bolacha do pacote – Parte 2

No post anterior, eu falei sobre as origens do arquétipo do mago em D&D, que mistura tudo de bruxos, magos e coisinhas-que-usem-magias de fontes literárias, mitológicas e mais o que seja e as funde numa classe com presença dominadora em mesa. Vamos nessa postagem tentar achar a origem disso tudo e depois analisar as ramificações dessa dominação no jogo e encerrar esse assunto.

O começo da dominação, ou desculpa pra ter uma citação clichê

O mago, na edição original (1e, mesmo) era dominador na mesa porque jogar de mago era um desafio quando tudo queria te matar; a sobrevivência de um mago numa masmorra verdadeiramente Gygaxiana é um milagre e merece recompensa.

Mesmo assim, a capacidade de causar dano em múltiplos alvos e diversos (e limitados) efeitos não eram a garantia da dominação da classe em mesa. Você ainda precisava chegar lá, além do que, o mago era mais uma classe ofensiva e focada em atingir múltiplos oponentes (muito mais próximo da 4ª edição do que se pensa) que superar obstáculos com uma magia própria para cada situação, como nas edições seguintes.
E aí, na revisão da primeira edição, surge o Ilusionista. Ele é bem parecido com o mago, e também usa magias, mas usava uma lista diferente e seus efeitos eram completamente distintos e apesar da versatilidade, perdia em poder bruto. Numa comparação bem tosca, se o mago era o Mega Man, o Ilusionista era o Bass. E tudo permanecia bem.

Eventualmente, as magias foram divididas em escolas, e o ilusionista tornou-se uma classe derivada do mago. As magias de ilusão que ele possuía foram incorporadas na lista sempre crescente de magias, assim como outras escolas. Aí é que começa o perigo. O que acontece quando a classe tem um crescimento de poder, e como visto na postagem anterior, os perigos inerentes que justificariam esse poder ficam mais brandos?

"PODER ILIMITAAAAADO!"
Nessa transição de edições – da primeira para a segunda – o mago deixou de ter uma classe similar, mas distinta para absorvê-la completamente, aumentando e muito sua lista. Chegou um ponto onde as magias do mago tomavam 1/4 do livro, enquanto que as de clérigo tomavam os mais 1/4. Os outros 2/4 eram dedicados para regras gerais, ou seja, aquelas outras classes que não tem o poder de dominar o mundo com um gesto e uma bola de guano ou uma prece e um punhado de visco & azevinho.


Mas o título da postagem é “conjurador”, e não o mago. Isso significa que eventualmente, os servos dos deuses, o clérigo e variantes tornam-se tão apelões como os magos? Estaria mentindo se dissesse que foi imediatamente, porque levaria mais uma edição pra começar, mas clérigos e variantes dividem o posto de rei da cocada preta com o mago.

Lembram dos pontos fortes do guerreiro? Clérigo ganha magias divinas, não precisa se preocupar em perder um livro como o mago pra perdê-las E ainda tem essas características em menor aspecto: Altos pontos de vida, capacidade de proteção e seleção generosa de equipamentos.

Com a entrada de talentos na terceira edição, o poder dos conjuradores cresce exponencialmente. Enquanto um guerreiro compra uma série de talentos que concedem +2 numa manobra limitada, Clérigos compram expansões que escalam com níveis que aumentam a duração de uma magia poderosa, por exemplo, aumentando um efeito de duração de 1 rodada por nível nível para 24 horas – 21600 rodadas, e Magos ganham formas de burlar limites diários de magia com preço ínfimo em peças de ouro.

Game, Set, Match

Conjuradores não tem a faca e o queijo. Tem a faca, o queijo, o prato, a mesa, o pano de prato, a geladeira e a cozinha. Com mais conjuradores com opções poderosas surgindo em outros livros da 3e - como o Archivist, Artificer e Erudit - os conjuradores são capazes de facilmente superar encontros com uso de uma habilidade puramente mecânica e um pouco de criatividade do jogador.

Um encontro de combate pode ser encerrado com um pergaminho de uma magia de atordoamento em área; um encontro social pode ser influenciado com magias que concedem bônus absurdos em perícias sociais. Existem dezenas de livros com novas magias e talentos que podem ser combinados para forçar o sistema de formas impensadas; combos esdrúxulos que causam dano em notação científica ou que permitem que um personagem atinja a onisciência, dentro das regras.

Odiado por 6 entre 10 jogadores 
Até dentro de cenários clássicos os conjuradores são os mais importantes. Pense em 3 npcs importantes de Forgotten da 2ª / 3ª edição. As chances são altas de um deles ser um arquimago ou aquele drow com a pantera. Os únicos personagens com algum poder de mudar o mundo (literalmente aqui) eram os conjuradores; porque um rei teria um mago de nível alto o servindo se literalmente o mago pode estalar os dedos e dominar o reinado através do rei, ou mesmo de ilusões?

Eberron mal tem personagens de nível alto, mas é uma aproximação diferente da fantasia clássica e como tal, tem uma visão mais moderna e até realista: um conjurador de nível alto não serve, ele governa.

E ainda por cima de tudo, existem três motivos importantes que tornam uma campanha complicada nessas edições onde dominam; fica difícil criar um desafio a altura aos conjuradores que não ameace os OUTROS jogadores em excesso, a forma principal de combater magia é colocar outro inimigo que use magia contra e as medidas mais comuns de anular conjuradores são gritantes intervenções de mestre, como por exemplo, combates freqüentes contra inimigos imunes a magia.

Se as outras classes precisam brilhar, não é em detrimento de qualquer outra. Não é mérito ou falha do mestre querer que todos tenham uma chance de brilhar e fazer algo, mas são impedidos por desígnios intencionais de design. Se o mago enfrenta de 10 inimigos, 8 imunes a magia para que um dos colegas faça algo, faria sentido o guerreiro enfrentar uma quantidade equivalente de inimigos que não possam ser atingidos por nenhuma de suas armas ou o ladino enfrentar mortos-vivos onde não possa usar seu furtivo.  

Em suma, o modelo tornou-se o oposto do que era inicialmente: Jogar de conjurador não é a dificuldade que leva a uma recompensa, e sim o easy mode.

Esse é o caminho de um não conjurador!
Comparativamente, jogar de guerreiro é Fighter Must Die porque você não tem recursos que não dependam de magia e a partir de certo nível você é passa a depender dela até para atingir inimigos.

Essa lição de que um nicho dominava o jogo, e em seguida os outros foi aprendida e uma solução foi aplicada na criação da 4ª edição, que cortou fora as asinhas dos conjuradores e diluiu suas características deixando efeitos e recursos disponíveis a todos. Em troca, essa mudança alienou parte da base dos fãs que não quiseram sair de sua zona de conforto.

Deu-se o surgimento de um movimento retro, porque “antigamente era bom”, o que pode ser um sincero “quando os conjuradores mandavam na bunda de todo mundo” como um sentimento real de nostalgia de tempos menos complicados... ou então uma sensação regras menos definidas onde o mestre poderia exigir que o jogador adivinhasse onde a armadilha estava... 

BONUS TRACK: Você precisa declarar o que quer, eu não!

Surge aí o evidente “dois pesos / duas medidas” ainda mais com galera mais old school. Reclamam que rolar para “procurar armadilhas” não é interpretar, mas NÃO tem nenhum problema de usar uma magia para resolver um problema sem nenhum tipo de interpretação, porque esse é o “poder do conjurador”.

Por exemplo, uma magia de Arrombar vence QUALQUER tipo de tranca na 2 E 3ª edições, inviabilizando o uso da perícia do Ladino do grupo. A magia é de nível baixo, e pode ser facilmente feita em pergaminhos ou varinhas.

Links de referência da postagem: