terça-feira, 13 de março de 2012

MMOs de Mesa: Como assim o "Next" é igual ao "Before"?

                Olha só que bonito, uma postagem de “revival“ do blog (e eu ainda preciso terminar aquele post de Mega Man Zero). Esse é um post sobre a quarta edição, predominantemente, mas não se preocupe, tem veneno pra todo lado e pra todos os gostos! Se parecer informal, é porque é. É uma postagem de fórum expandida e convertida, de forma que eu estou querendo expor meu peixe (ui).

As vezes, certas combinações funcionam
melhor que você esperava.
D&D quinta edição, chamado carinhosamente de D&D Next (ou algo do tipo, “a sua próxima experiência em D&D, a volta do D&D de verdade!”) está sendo feito*, e temos artigos feitos pela dupla dinâmica de escolas-véias assumidos, Mike Mearls e Monte Cook. Eu estou acompanhando esses artigos e sei lá, acho que falta algo neles: algum embasamento que não saia apenas do saudosismo e das regras caseiras (sem hífen) que esses carinhas criam em seus próprios jogos escola-véia, algo que não seja resumidamente “isso aí, cara, mostra pra esses jogadores de WOW como se joga RPG de verdade!”. E aí ignoram 5 anos da 4ª edição.
*assim supomos. Não tem nenhum dado mecânico sobre o jogo, exceto esses dois falando que tem coisas sendo feitas.

Acabou que não achei nada NOS posts desses caras porque 2/3 são glorificações de como as edições anteriores eram legais (mas não a 4ª!) e que o novo D&D vai fazer coisas fantásticas que a 3ª e a 2ª falhavam (mas a 4ª corrigiu, e ninguém quer lembrar dela). Alternativamente. vi coisas interessantíssimas nos comentários, e até comentei sobre isso nos fóruns da Spell (no tópico de expectativa sobre essa quinta edição). Uma das coisas é a desvalorização dos ataques básicos em detrimento de poderes e manobras especiais, e como isso “automatiza” o jogo. Ou melhor, a desvalorização de tudo que não seja poderes e manobras especiais. E aí não tenho como não concordar. Calma. Eu chego lá.

         O cerne do combate em D&D (eu ia dizer só na 4ª, mas é universal) é calcado no seguinte pensamento: "os jogadores estarão fazendo as melhores opções de combate a cada rodada, de forma que isso faça com que eles sejam recompensados com isso". Qualquer jogador de D&D que jogue mais de uma sessão eventualmente percebe que a batalha real sempre é a manutenção dos recursos dos personagens contra os desafios criados pelo mestre, sejam combates ou exploração.

 Se você tem um poder de combate que é melhor que um golpe comum, porque não usá-lo? Quer dizer, pra que eu vou bater com um golpe comum com uma arma, causando [Arma]+Modificador Força ou (2x [Arma])+Modificador de Força (no 21º nível), se no primeiro nível de guerreiro, eu posso dar exatamente esse mesmo dano com um efeito adicional de empurrar o oponente?

                A pergunta não é “Pra que eu vou me limitar em usar uma ação universal sem nenhum bônus” e sim “porque eu DEVERIA me limitar a usar coisas que são menos eficientes do que eu tenho a disposição?”. Um golpe comum é facilmente ignorável se comparada com várias ações com inúmeros bônus ou diferentes sinergias. Defasado, até. Acho que é daí que veio o mimimi de “D&D virou videogame” e “todo mundo usa poder todo tempo”.

                Até parece que isso é algo único da 4e. Exceto que as edições anteriores também sempre tiveram um pé nesse aspecto, onde você recompensará os jogadores com menor perda de recursos (e como eu disse acima, os recursos de um personagem são sua real medida de aguentar ou não – contabilizando cargas de itens, pontos de vida, poções, magias, etc). Então, esse aspecto sempre esteve aí. Confere?

                É muito fácil para certos grupos simplesmente ligar o modo automático e sair porrandolocando tudo na frente com esses mesmos aspectos em sinergia (fulano segura a linha de frente, enquanto beltrano impõe condições, o cicrano bate e joãozinho cura e mantém o grupo de pé, gogogogo 300 dps huehuehueBRBR).

É claro que na prática, não é sempre assim (e nem tem que ser), mas existe uma margem enorme de segurança pra quando você simplesmente está de saco cheio de ficar de firula e simplesmente quer chutar o balde (tipo quando aquele cara chatíssimo que parece utilizar toda e qualquer oportunidade pra fazer um monólogo improvisado usando todas suas aulas de teatro o faz no final de um one shot sem pretensão, só pra falar que eu personagem é profundo, mesmo isso tendo ido completamente contra a caracterização anterior*). O que ponto que quero chegar é esse: A 4e “deu essa margem” porque deixou isso explícito (finalmente!) e isso irritou MUITA gente.
*inspirado em fatos reais, nomes não citados para proteger identidades inocentes teatrais alheias.

                E é isso que a velhanova (olha o duplipensar!) equipe do Mearls e Cook quer “corrigir” que a 4ª fez (direito); o objetivo do design não quer jogadores confiantes de que o mestre precisa se esforçar pra morrer - porque tudo que eles podem fazer está na ficha deles, e o que não está na ficha está no livro do jogador, disponível pra eles. Quando na capa tá escrito que o livro É para o jogador, não tem necessidade de tabelas de itens em livros do / pro mestre; não querem que os jogadores percebam que sim, eles podem ditar o ritmo da aventura ao ligar o automático e trucidar tudo que vem pela frente, porque o sistema te fornece maravilhosas ferramentas pra suportar esse tipo de jogo.

                E convenhamos, é convenientemente usar seus poderes que são mais eficazes que apenas atacar de forma básica. Não é um conceito difícil. Isso nunca mudou. O que mudou foi a forma de como os jogadores encaram isso. Se há um equilíbrio maior entre o grupo, – e alguns dizem em detrimento da diversidade, mas é uma diversidade onde 2/3 de um livro só serve pra 1/4 das classes disponíveis, então pra mim tem algo de errado nessa afirmação – nada mais fácil do que qualquer membro do grupo tomar a dianteira (ao invés de depender de encantamentos favoráveis dos conjuradores que ditavam o ritmo) .

                 Criar aventuras pra esse tipo de jogador – o grupo equilibrado que pode impor um certo ritmo) é um saco e dá trabalho. É muito mais fácil fazer masmorra com armadilha de fosso com espinhos, do que pensar que os jogadores podem FURAR a parede da dungeon pelo lado de fora e contorná-la. Por isso que aventuras prontas pra personagens mais que heroicos (exemplares e especialmente os épicos) são tão raras. É fácil pensar no que para um bundão que só sabe andar e bater e foi condicionado pra pensar que é só isso que ele pode fazer (se parte do material tá longe das mãos do jogador). Por outro lado, é muito mais difícil tentar prever as ações de um grupo que tem consciência do que não pode fazer (porque todo resto subitamente torna-se uma opção válida).

                Eu vou ser ovacionado ou apedrejado por esse comentário, mas vamos lá.

               Pelo outro lado, o jogador que SÓ se atém a ficha vai travar em algum desafio onde os poderes não resolvam. Poderes? Não é só o que seu personagem pode fazer. Aquilo dali é o que você faz em combate. Teu personagem ainda pode e deve interagir com cenário, ter ideias idiotas, fazer besteiras. Ter poderes na sua ficha não evitaria isso, nunca. Desestimulam, porque "não tá mastigado". Mas não evitam. D&D nunca teve um estimulo a interpretação em suas regras, e até o desafio de perícia que tentou esse tipo de interação com a interpretação teve que passar por uma sintonia fina extensa até chegar num modo que funcionasse. Não foi a 4ª edição que tornou tudo um “MMO de mesa” (sério, gente, 5 anos depois e ainda eu leio isso volta e meia, ô implicância). Foram os jogadores usando a ficha como bíblia, e não como guias.

                Onde eu quero chegar com isso tudo? Ao invés de se focar no aspecto saudosista que os dois designers chefes erroneamente insinuam que vai corrigir tudo magicamente, poderiam trabalhar em coisas mais relevantes, como números absurdos que escalam loucamente; citando outro jogo do – ou que pelo menos começou no – sistema d20, M&M. Se você pergunta pra um jogador acostumado a níveis altos em 3e e 4e de D&D, quanto que +5 de bônus significa, a resposta vai ser algo do tipo "não muito, só mais uma gota no balde de bônus". Agora, pergunte o mesmo pra jogadores de M&M e a resposta vai ser algo do tipo "Uau, cara, +5 é muita coisa!", independente do NP.

A 4e quase deu um passo nessa direção com o +½ nível em todos os testes; é o prenuncio de uma matemática se o resto do sistema não esperasse que seu personagem, já tendo +15 de nível também precise de +5 de arma, +10 de atributo, +3 de talentos, sinergia e pra socar um inimigo apropriado.

                Se o jogo que lida com poderes de quadrinhos lida com situações cósmicas com números baixos, porque não aquele que lida com chutar portas e socar orcs não consegue manter uma matemática que siga um padrão?

tl;dr: não cuspam no prato que comeram, designers.


Bônus track! Manifesto anticonjuradores dominando o jogo: versão matemática absurda

                O pior exemplo dessa matemática falha e péssima inflação de números são as perícias épicas da 3e. Elas foram criadas pra dar a ideia de que tem número alto é um floco de especial e único entre os aventureiros e com isso poderoso com habilidades especiais e ‘únicas’; na verdade, serve pra mostrar quanto que um não-conjurador tem que ser idiotamente "poderoso" em números pra emular coisas que conjuradores faziam brincando.

                Como exemplo, Equilibrar-se CD 120 (cento e vinte, você não leu errado) pra ficar de pé numa nuvem, coisa que Clérigos ou Druidas de 8º nível fazem sem testes e MELHOR com Caminhar no Ar (já que podiam, sabe, andar no ar, literalmente)

                Ou o pior exemplo pra mim, que é o de Decifrar Escrita (que por si só já uma perícia situacional e ridícula) com CD 50+5 por nível da magia pra decifrar pergaminhos mágicos (decifrar no sentido de ver o que é, não ativar)... coisa que QUALQUER conjurador faz com Ler magia, aquela de 0º nível, que até mesmo mago que precisa preparar magia, pode fazer SEM ter grimório porque é uma “habilidade natural da classe”. Pra que subir 30 niveis de ladino, mesmo?