sexta-feira, 1 de junho de 2012

Energia Negativa, Necromancia e “Malignidade”

Porque nos cenários clássicos de fantasia, a necromancia é vista como algo inerentemente maligno? Isso mudou um pouco recentemente, mas a visão preta e branca ainda contém a ideia de que só coisas ruins possam sair daí. Falar numa mesa que pretende jogar com um necromante é uma contagem regressiva pra ter perguntas de porque você quer tanto jogar com algo tão maligno (como se necromantes fossem sinônimo de “erguer mortos do túmulo, mwahahahah”).

Parece capa de álbum de rock.
E é assim que funciona?  Sim e/ou não: existem dois pontos de vista antagônicos e ambos dependem onde escala entre o bem e o mal você e seu grupo (e se seu grupo enxerga uma área cinza ali no meio). Esse artigo detalha uma maneira alternativa de encarar esse tipo de magia, ao analisar uns detalhes perdidos nos meio dos livros.

Ponto de vista clássico: Necromancia = Magia Negra

Utilizar energia negativa é utilizar de energias feitas de pura essência não-diluída de maldade; uma magia de Infligir Ferimentos, ou uma rajada de Dano Necrótico são mais que manifestações metafísicas dessa putrefação no mundo, são literalmente a corrupção sendo depositada no mundo.


Interessantemente, esse é o caso da série Legacy of Kain,
onde a energia maligna corrompe... e mesmo assim,
os protagonistas são um vampiro e um espectro.

O plano de energia maligna é a fonte e o modelo de tudo de ruim possível, nada que saia de lá tem a mínima capacidade de ser utilizado para o bem. Uma criatura animada ou feita com essa forma de energia vai ativamente caçar criaturas vivas para eliminá-las. Esse mesmo plano seria pior que os planos dos Kpetas & Kpirotos Demônios e Diabos, pois tudo maligno – sem se importar com o eixo Caos-Ordem – se derivariam de lá.

Animar um cadáver é um dos atos mais malignos possíveis, porque cria um simulacro na forma – não apenas na forma, mas literalmente no corpo carnal – de uma criatura falecida.

Ponto de Vista alternativo: Necromancia = Magia “Cinza”

O plano de energia negativa é tão terrível pra uma criatura desprotegida como o plano elemental do fogo ou da água: uma dose extrema da energia negativa é legal letal, assim como fogo ou vácuo.

Animar uma criatura é do ponto de vista técnico, usar uma fonte de energia externa para um fim; isso é até mais ético que criar um golem, que prende espíritos elementais no interior de uma ‘embalagem’ artificial – tão forçada contra sua vontade que tem chance de se rebelar e entrar num frenesi – em alguns casos, irreversível.

 “The animating force for a golem is a spirit from the Elemental Plane of Earth. The process of creating the golem binds the unwilling spirit to the artificial body and subjects it to the will of the golem’s creator.

Ou numa tradução livre, “O processo de criar um golem força um espírito contra sua vontade num corpo artificial e o sujeita a vontade do criador.”. Em outras palavras, o criador abre um portal pra algum plano Elemental, pega uma alma aleatoriamente e coloca na criatura.

Hugs...? ♥
Alternativamente, um zumbi é um cadáver animado com energia negativa – embora seu corpo funcione, a alma original partiu para seu descanso eterno. Contrastando:

“Zombies are corpses reanimated through dark and sinister magic. These mindless automatons shamble about, doing their creator’s bidding without fear or hesitation.”

Tradução livre, parte dois: Esses autômatos se arrastam, realizando as vontades do criador sem temer ou hesitar.”. E mesmo assim, Zumbis são malignos e golens neutros. Criar um golem não é um ato inerentemente maligno, embora acho que ambos deveriam ser – um é uma perversão de um corpo e o outro a escravização de uma alma.

A aversão ao segundo vem do fato de que profanar o corpo de uma criatura falecida, mesmo que sejam em mundos onde a magia é real e possibilita ressurreições e outras coisitas más, é um ato maligno.

Monstros relutantes ou relutantemente monstruosos?

Mortos vivos podem ser simpáticos!
Agora vamos dar uma guinada nisso – se mortos-vivos (não inteligentes) são neutros...

Imagine um pai de família dedicado - ele faz um acordo com um necromante para que após seu falecimento, seu esqueleto seja animado para seguir as ordens dos filhos e com isso ajudá-los em sua fazenda; lembrem-se, mortos-vivos comuns como esqueletos e zumbis não possuem iniciativa própria e ficam parados até receberem ordens.

É “creepy” pra cacete? Demais. Mas faz sentido que um pai que conseguiu um latifúndio em vida aos trancos e barrancos aceite trabalhar pra ajudar sua família até no “além-vida”. Além disso, a alma dele vai pro seu plano de destino, não ficando presa ao seu corpo terreno.

Entretanto, isso também traria mais ramificações: se os mortos-vivos autômatos são ‘neutros’, isso tornaria mortos-vivos inteligentes malignos ainda piores do que são.

Ou podem ser babacas!
Um vampiro padrão de D&D reside na área da escala entre cinza e preto: é forçado a cometer atrocidades porque são compostos da energia negativa, e precisam consumir a energia positiva alheia (a vida dos outros) para se manter inteiros tornando-se “monstros trágicos”.

Quando isso não é verdadeiro, o oposto acontece: múmias, ghouls, mohrgs, vampiros; todos esses mortos-vivos inteligentes são malignos porque a energia negativa é tratada como inerentemente maligna e necessita consumir a energia positiva para se saciar. Numa situação onde isso não é verdadeiro, eles podem ser até bondosos. Um lich não é necessariamente um mago maligno que mata todos quando vê. Vai ver é um cara com uma missão tão importante que seu tempo de vida mortal é o insuficiente, decidindo então tornar-se essa criatura para terminar seu propósito.

Voltando ao vampiro de antes - se esse vampiro não é forçado a sugar sangue para sobreviver... e decide devorar velhinhas no café da manhã assim mesmo, é porque é um babaca (já que é movido por forças externas tão naturais como uma Dríade ou Elemental).

Alternativamente, isso cria uma estranha situação: se a energia é inerentemente maligna, porque esqueletos e zumbis não saem por aí consumindo criaturas (ou cérebros delas, se você preferir assim), já que são animados inteiramente por esse tipo de energia?

Marchem!
Imagine uma situação onde um exército de Terracota seja real - ao invés de ser uma representação de um exército real REALMENTE seja uma legião de mortos-vivos prontos para partirem em defesa de um povo, transformados nesse estado por sua lealdade e devoção aos ideais defendidos. Soa tão ruim assim?

No final de contas, é uma área cinza onde heróis de métodos não ortodoxos e anti-heróis usam o mal para enfrentar o mal – levantar os mortos para servi-lo não é um ato inerentemente maligno se a utilização de energia negativa não o for, mas destruí-los também não é um ato bondoso. Você não estará colocando os mortos em seu descanso merecido visto que a alma original já partiu, exceto no caso de um morto-vivo inteligente, que deve ser tratado como qualquer outra criatura (se agir como um vilão, os fins justificam os meios).

Enfim, são diferentes ideias e formas de usar coisas que já são batidas e talvez possam receber uma revitalização para surpreender seus jogadores!

E se tudo mais falhar, arrume um remo e um par de serras elétricas.