RPG é um jogo de interpretação de papéis. Isso,
todo mundo sabe – ou senão sabe, bem-vindo ao RPG, e esse artigo não é o melhor
lugar pra você começar!
Vamos fazer uma pergunta importante aqui: “Você sabe
a diferença entre interpretar e representar? Qual a correlação da otimização e
interpretação? “
Segundo meu dicionário, interpretar é
"Representar um papel, Reproduzir ou exprimir a intenção ou o pensamento
de". Isso significa que você, ao assumir o papel de um personagem fictício
num mundo igualmente fictício já estará interpretando em qualquer ação que
desempenhe.
Ao dizer quais serão as ações do seu avatar fictício,
você já está ~interpretando~ o comportamento, reações e atitudes desde personagem
dentro dessa narrativa compartilhada. Cada jogador controla seu personagem
desta forma, complementados pelos personagens não—jogadores (NPCs), interpretados
pelo narrador / mestre. Existem jogos que propõem uma experiência diferente,
como por exemplo, a ausência de um narrador / mestre para uma experiência de
história verdadeiramente compartilhada entre todos jogadores.
Perceba que “interpretar” quer dizer apenas estar
presente no jogo. Mas e a representação, Phil? Onde ela nisso tudo?
A resposta é simples: Ela não entra.
Representar, ou (segundo meu Michaelis) “Apresentar-se
no palco ou em qualquer espetáculo público; desempenhar funções de ato” é uma
teatralidade opcional, ás vezes
agregada a interpretação (isso é, seu papel fictício).
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Pera, como assim teatralidade é OPCIONAL!? |
Dentro de um ambiente fictício da narrativa
compartilhada, falar “Vou tentar subornar o guarda para que passemos pelo
portão” deveria ter o mesmo peso que o jogador declamar “Ó protetor dos portais,
sabes que faço um apelo a ti com um agrado para que possais olhar para o outro
lado.”. Nesta narrativa não existe
distinção: a mensagem e ações passadas são as mesmas: “guarda, toma dinheiro”.
Por que então temos tanta reclamação quanto ao
primeiro e tantos elogios em relação ao segundo?
Estamos acostumados a achar que mais rebuscado /
elaborado é melhor; ao invés de acharmos um meio-termo agradável entre
interpretação e representação, acabamos ignorando a primeira em defesa da
segunda. Entretanto, naquele outro artigo, elaboro mais e falo sobre isso – se oassunto te interessou, sempre vale a pena ler!
Temos uma ideia de um eixo / parâmetro / régua que
começa no modo automático (personagem meramente reativo), e termina na
teatralidade excessiva (onde toda fala de personagem é feita pelo jogador como
discursos 1:1), onde o primeiro é algo ruim e o segundo bom. O importante é
perceber que em excesso, ambos são nocivos ao jogo como narrativa compartilhada.
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Como assim " |
Agora que a diferença entre representar e
interpretar estão bem definidas e fora do caminho, vamos falar sobre otimização
de personagens.
Parafraseando uma frase que é papagaiada por tempos
imemoriais, desde que a internet é a internet: “Um jogador apenas interessado
em combos não quer saber de interpretar seu personagem!”
A atitude de otimizar uma ficha de personagem
consiste em minimizar os pontos fracos e fortalecer os já fortes do personagem
em questão. Logo, isso quer dizer que ele ficará melhor no que faz – e se o que
o personagem interage dessa forma com o mundo fictício, um personagem otimizado
fará essa interação com o mundo fictício de forma mais eficaz.
Um personagem otimizado por interesse em seu papel
fictício, em relação a sua capacidade de sobrevivência desempenha melhor suas
funções:
● Um guerreiro que atinja melhor os oponentes e
sobreviva melhor os perigos é um guerreiro bem-sucedido e consequentemente, tem
maior chance de ser um personagem que permanece mais tempo em mesa.
● Um ladino que consegue causar o máximo de
sucesso possível em suas jogadas de perícias tem a capacidade de evitar perigos
de forma mais eficaz e com isso trazer maior sucesso para o grupo como um todo.
Veja que combos do nível “posso fazer tudo melhor
que todos da mesa” não são otimização. Estes são combos que ultrapassam o nível
de aceitação e torna-se algo nocivo. Mas a otimização per se, isto é, a capacidade
de fazer bem aquilo que se propõe a fazer não é algo inerentemente ruim – e pelo
contrário, é algo até exigido para o bom funcionamento diante de perigos
enfrentados por personagens.
O oposto também existe, com pessoas fazendo
personagens mecanicamente deficientes, de forma que ele será extremamente malsucedido
em atividades que seriam o esperado, além de causar problemas para com seu
papel dentro de um grupo.
● Um guerreiro que seja fraco ou possua defesas
baixas não conseguirá proteger os aliados de inimigos e seu grupo não terá
linha de frente;
● Um ladino que não é ágil o suficiente para
desarmar armadilhas ou perceptivo o suficiente para detectá-las terá uma
carreira muito curta como batedor.
Um personagem mecanicamente fraco não é “mais
interpretativo” por ter carência numa área. Isso é o equivalente na vida real
de um médico que tenha um ataque de pânico ao ver sangue, ou um bombeiro com
fobia paralisante ao fogo. Eles não tornam-se mais interessantes por isso, tornam-se
apenas incapazes de desempenhar a função a qual deveriam fazer para auxiliar
outra pessoa.
Então, temos outro eixo, que parte do completamente
inapto para fazer o que é o proposto, ao completamente combado e tomando os
holofotes da mesa com seus combos. Um personagem remotamente normal ficaria no
meio do eixo, talvez pendendo ligeiramente para um dos lados. Um dos extremos
pode causar desavenças na mesa justamente por ser eficaz demais ou inútil
demais.
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Só lembrar! |
Aí você que leu até aqui e conseguiu entender as
diferenças das definições, e suas ramificações, não deve nem se surpreender com
a resposta da pergunta inicial: “nenhuma”. Não há correlação entre uma ficha
funcional (ou não) com ou interpretar bem (ou mal).
Ser fraco / forte mecanicamente está num eixo, que
chamaremos de X; ser representativo está num eixo, que chamaremos de Y. Esses
dois eixos não tem nenhuma intersecção, são duas linhas retas independentes que
avaliam coisas diferentes.
Espero ter esclarecido algo.