sábado, 2 de outubro de 2010

Críticas e pontos de vista: porque é tão dificil de entender?

“De várias maneiras, o trabalho de um crítico é fácil. Nós arriscamos muito pouco e, a despeito disso, desfrutamos de uma vantagem sobre aqueles que submetem seu trabalho, e a si próprios, ao nosso julgamento. Nós nos refestelamos escrevendo crítica negativa, que é divertida de escrever e de ler. Mas a verdade amarga que nós, críticos, temos que encarar é o fato de que, no grande esquema das coisas, até o lixo medíocre tem mais significado do que a nossa crítica assim o designando. Mas há momentos em que um crítico verdadeiramente arrisca algo, e isso ocorre na descoberta e na defesa do novo. Noite passada, eu experimentei algo novo, uma refeição extraordinária preparada por uma fonte singularmente inesperada. Dizer que tanto a refeição quanto quem a preparou desafiaram meus preconceitos é uma grosseira simplificação. Ambos me abalaram em meu âmago. No passado, não fiz segredo do meu desdenho pelo famoso lema do Chefe Gusteau: Qualquer um pode cozinhar. Mas só agora verdadeiramente percebo o que ele queria dizer. Nem todo mundo pode se tornar um grande artista, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar. É difícil imaginar alguém com origem mais humilde do que o gênio agora cozinhando no restaurante Gusteau’s e quem, na opinião deste crítico, não é nada menos do que o maior chef da França. Estarei voltando ao Gusteau’s em breve, faminto por mais”.Anton Ego, Ratatouille.

Esse texto saiu depois de uma breve reflexão após ver um filme da pixar, o Ratatouille (alias, se você não viu, veja. É excelente.) É tocante não só na minha própria visão pessoal do que seria aceitar a opinião alheia, mas como fonte de questionamentos. E é claro, causado por um 'mero' filme de animação. =)

Uma crítica é algo difícil de ser feito com sucesso. Escolher o caminho fácil, ambos extremos da crítica-propaganda de bajulação que evita tocar em qualquer ponto negativo de um trabalho amado, ou da crítica-destrutiva ácida, que denigre qualquer tentativa de novidade ou afirmação do trabalho.

Ambas são fáceis de serem feitas, e ainda mais fáceis de serem lidas como se fosse a verdade; é o efeito de pregar para o coro: sabendo da opiniões positivas ou negativas de sua audiência é uma simples forma de falar o que querem ouvir.

Da mesma forma, uma crítica depende do seu ambiente: num local neutro é lida pelo seu valor, mas o contexto afeta essa aceitação. Uma crítica colocada num ambiente dito como positivo ou negativo afeta como as pessoas são capazes de aceitar a mensagem. Argumentos (vazios) como “se você é capaz de criticar, porque não faz melhor” são muito comuns no caso de críticas negativas a algo amado.

E porque criticar é tão difícil? Simples: porque você expõe sua opinião, e como tudo, ela é algo extremamente pessoal. As pessoas não gostam de ver opiniões contrárias as suas, e opiniões que afirmam suas convicções pessoais são aceitas e reforçadas como a mais verdadeira verdade.

E como mudar isso?

É fácil comentar sobre “Aceitar novos pontos de vista”, “mantenha uma mente aberta” é um bom começo, mas acima de tudo, existe algo mais profundo envolvido. É saber que o crítico possa ter falado alguma verdade sobre o trabalho, independente do seu próprio (você, leitor, não o crítico) ponto de vista.

“Mas ele insultou meu prato / filme / livro / cantor favorito!” – brada o fanático da fila da esquerda, com uma tocha e um tridente na mão.

Aprenda a lidar com isso. Críticas geralmente têm um fundo de verdade; mesmo a pior das críticas tem algum embasamento (nem que seja o gosto pessoal do crítico). Você não precisa mudar o seu ponto de vista, mas é possível entender algo pelo ponto de vista de outros. Se há justificativas do porquê algo que você ama é odiado e algo que você odeia é amado, vale a pena ver se são razões válidas, mesmo que não para você.

Aceitar uma crítica é, acima de tudo, sinal de crescimento, maturidade. E aceitar que uma crítica, mesmo que aparentemente não tenha embasamento com argumentos furados como “fulano escreveu N livros, se você fosse tão bom, escrevia melhor e vendia mais” é melhor você parar e refletir: você não precisa ser um escritor para interpretar um livro, nem chef para analisar um bom prato. Mesmo sem saber jargões ou termos técnicos, a opinião sincera de uma pessoa é tão (ou até mais, pois não é presa em termos) livre que de um especialista comentando sobre outro.

É claro que isso estaria associado ao culto a celebridades e subcelebridades como fonte mais confiável de informações, e pessoas comuns como fontes com menor credibilidade ou peso, mais isso é assunto para outro post. Au revoir, mon ami.

Um adendo: Meu amigo Kear (também conhecido como Wilken) me passou um post (também usando o Anton Ego como imagem!) com um ponto de vista que complementa, e discorda do meu ponto de vista em diversos momentos. E isso é um perfeito exemplo que ilustra meu texto (e o dele!).

Eis o link. http://scottmccloud.com/2009/10/14/on-criticism/

Adendo 2: Texto da epígrafe traduzido, como pedido pelo Madruga (vulgo, Felipe).

5 comentários:

  1. O difícil é fazer essas instruções chegarem ao público alvo...

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  2. Eu concordo um tanto, embora você não tenha tocado em um ponto que eu tocaria: o nível de validade da crítica. Na minha opinião, críticas boas usam argumentos lógicos e universais. Assim, embora uma crítica muito pessoal possa SIM ter uma verdade por trás, um valor nela, ela não é a melhor crítica, né. Se for ficar no nível da pessoalidade, acaba caindo em "Gosto é que nem traseiro", "Cada um é cada um", "Respeite a opinião dos outros".

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  3. Eu realmente acho que toda opinião/crítica é válida, incluindo as sem argumentos lógicos por trás. Os argumentos podem ser copiados de outros lugares, podem ser ditos por outra pessoa, podem vir de N fontes.
    Desde que a crítica seja feita com boa intenção, ela deve ser levada em conta apesar dos argumentos. Nem que seja pra procurar outras opiniões.
    Você não precisa saber o que está de errado pra saber que algo te incomoda, nem precisa saber que o gosto da comida não te agradou por causa do toque azedo da raíz da trepadeira exótica dos confins da Austrália.
    Só precisa saber que não gostou.
    Às vezes é o melhor argumento.

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  4. Interessantíssimo Phiel. De fato, achar que somente especialistas podem falar a respeito d eum tema é uma faláscia razoável. Porém , por vezes, isso é usado para hermetizar um grupo que se considera o "supra-sumo" de tal área. Concordo plenamente com o "aceitar críticas é amadurecer" e digo ainda que aprender a tirar o melhor delas é o que nos faz melhorar a cada dia.

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  5. Posso fazer uma crítica, aproveitando o ensejo? Não dava para ter traduzido a epígrafe? E outra, eu... não gostei do texto. Achei que ele demorou demais para expressar um senso comum, a epígrafe é um terço do todo e o resultado... não sei.

    Difícil ler e não pensar no caso "Spell vs Trio".

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