segunda-feira, 2 de abril de 2012

Desconstruindo RPG tradicional: Porque que níveis como único medidor de progressão?

    Quase todo RPG eletrônico e boa parte dos RPGs de mesa (sejam por tradição ou por escolha deliberada) dividem a progressão das habilidades personagens num único nível geral, que mede seu poder.

E os equips dela nem
são tão bons assim...
Ok, sabemos que contabilizar nível é uma forma fácil e simples de medir o progresso de poder dos personagens, nem que seja por alto. Dá pra se ter uma ideia geral quando você ouve “tenho um monge de nível 14” ou “meu personagem é um Shaman de 45º nível”. Você vê vários módulos de aventuras prontas com os dizeres “para personagens de 13-15 nível”, e dungeons próprias pra personagens do nível. Perceba que esse artigo não é contra a existência de níveis, mas sim níveis que regem toda progressão como única forma medir poder (com exclusão de equipamentos, por exemplo, quando aplicada).

   Agora, a pergunta torna-se: “Um nível geral pra toda progressão é necessariamente ruim?” E a resposta é “Normalmente sim!”. Agora, por quê isso?

      Primeiro, é uma progressão “menos realista” (note aspas) – um personagem que suba níveis ao invés de um crescimento orgânico tem “saltos” inexplicáveis de poder, por conveniência de design. Um guerreiro que sobe de nível subitamente passa a bater com mais precisão, se protege melhor de perigos, aguenta mais golpes e com sorte aprende uma manobra nova de combate, numa tacada só – numa epifânia mágica.

     É como se você estudasse sem nenhum progresso, e no final da ultima semana de aula do semestre, wham, conhecimento novo (incluindo coisas que não estudou) surge magicamente na sua mente – os novos conhecimentos não surgem com aprendizado gradual, mas sim do acúmulo de pontos de experiência.

Não esse tipo de progressão orgânica!
Segundo, mas não menos importante: a ilusão de progresso. Um nível alto não significa alto poder. Um personagem de nível 14 te dá uma ideia geral, mas assim como existem progressões diferentes, discrepâncias podem surgir. Um personagem de nível 14 pode ter muito mais recursos que o esperado, ou menos. Por exemplo, na 3e de D&D, um guerreiro progride de forma aritmética (+1 no ataque, 1 talento a cada 2 níveis), enquanto que um druida progride de forma exponencial (+X magias a cada certo nível, novas habilidades cumulativas com todas anteriores, além de melhorias pra habilidades já existentes).

       Terceiro; a existência de “níveis vazios” em conjunto com a ilusão do progresso. Isso é extremamente comum em jogos eletrônicos ou em aventuras prontas – como é esperado para uma progressão de desafios apropriados, o nível do personagem é que cria o nível do desafio, e que ao subir de nível, você estará pronto para novos desafios. Isso nem sempre é verdade.

       Mesmo que seu personagem tenha nível 12, não significa automaticamente que ele está apto a enfrentar desafios pra nível 12. Especialmente em jogos onde seu equipamento é parte de sua progressão (2/3 dos jRpgs como final fantasy, e basicamente todos edições que se inspiram ou são D&D), teu nível é apenas uma fração do que você pode fazer. Então porque apenas ele conta? Porque guias recomendam “coloque fulano no nível 60 para ter alguma chance de enfrentar o Ornitorrinco Flamejante de Jah” e em seguida “E equipe a espada suprema do queijo parmesão”.

Bem vindo ao nível 3 de Guerreiro!
Aproveite seu nada!
Claro que dentro do jogo pode não ser assim, mas aí é uma explicação dada por conveniência, e não pelo suporte do sistema escolhido – seja ele um RPG de mesa ou jogo eletrônico.

Existem também progressões paralelas representando diferentes níveis de proficiência em diferentes áreas.

Lembro que por exemplo, no jogo Disgaea cada categoria de arma diferente (Espadas, Machados, Lanças, etc) tem um nível de progressão, representando a competência do personagem com aquela – quanto maior o nível da arma, melhores skills de combate são liberadas, assim como o dano recebe um multiplicado exponencial. Assim, um personagem de nível 1 ou de nível 9999 com a a mesma proficiência de, por exemplo, espadas tem o mesmo número de skills que pode usar; esses dois personagens. Por exemplo, esses dois personagens aí pegam numa espada (ui) pela primeira vez; o dano não vai ser o mesmo por causa da diferença de atributos e equipamentos, mas a incapacidade do personagem usar golpes de “alto nível” é igual pra ambos.

Desses 150 pontos, 120 foram o chapéu!

Em jogos como GURPS ou mais recentes como M&M, uma progressão por alto em pontos de personagem contabiliza não o “poder real” de um personagem, mas sim vários aspectos de sua ficha – com 150 pontos você faz o Conan, o velho mago, o ágil ladrão ou o galã meloso que quebra os personagens do npc com sua prosopopeia flácida para acalentar bovinos.

M&M por exemplo, usa níveis (na verdade Níveis de Poder) como limitadores máximos do que o seu personagem pode fazer (ou hardcap, se você se sentir mais confortável com esse termo) e não como numero a esmo – um NP 10 significa que não pode ter nenhuma característica com bônus acima de 10; sua utilidade vem dos efeitos e não apenas do bônus numérico que ele fornece.

Se não são o método mais eficiente ou mesmo o mais fácil de lidar, porque então esse modelo de níveis é defendido de forma árdua?

Até mesmo Final Fantasy saiu dessa progressão de nível como, por exemplo, diferentes classes com caminhos diferentes (em FF13 e 13-2, você não tem “trinta níveis”, mas ganha xp desses trinta níveis pra distribuir em inúmeras habilidades que formam um pacote "parecido com classe”). Se até criadores de jogos eletrônicos percebem que esse método é defasado, porque ele ainda está em voga? Porque é defendido como um dos pilares do design?

                Essa pergunta eu deixo pra vocês responderem.