sexta-feira, 1 de junho de 2012

Energia Negativa, Necromancia e “Malignidade”

Porque nos cenários clássicos de fantasia, a necromancia é vista como algo inerentemente maligno? Isso mudou um pouco recentemente, mas a visão preta e branca ainda contém a ideia de que só coisas ruins possam sair daí. Falar numa mesa que pretende jogar com um necromante é uma contagem regressiva pra ter perguntas de porque você quer tanto jogar com algo tão maligno (como se necromantes fossem sinônimo de “erguer mortos do túmulo, mwahahahah”).

Parece capa de álbum de rock.
E é assim que funciona?  Sim e/ou não: existem dois pontos de vista antagônicos e ambos dependem onde escala entre o bem e o mal você e seu grupo (e se seu grupo enxerga uma área cinza ali no meio). Esse artigo detalha uma maneira alternativa de encarar esse tipo de magia, ao analisar uns detalhes perdidos nos meio dos livros.

Ponto de vista clássico: Necromancia = Magia Negra

Utilizar energia negativa é utilizar de energias feitas de pura essência não-diluída de maldade; uma magia de Infligir Ferimentos, ou uma rajada de Dano Necrótico são mais que manifestações metafísicas dessa putrefação no mundo, são literalmente a corrupção sendo depositada no mundo.


Interessantemente, esse é o caso da série Legacy of Kain,
onde a energia maligna corrompe... e mesmo assim,
os protagonistas são um vampiro e um espectro.

O plano de energia maligna é a fonte e o modelo de tudo de ruim possível, nada que saia de lá tem a mínima capacidade de ser utilizado para o bem. Uma criatura animada ou feita com essa forma de energia vai ativamente caçar criaturas vivas para eliminá-las. Esse mesmo plano seria pior que os planos dos Kpetas & Kpirotos Demônios e Diabos, pois tudo maligno – sem se importar com o eixo Caos-Ordem – se derivariam de lá.

Animar um cadáver é um dos atos mais malignos possíveis, porque cria um simulacro na forma – não apenas na forma, mas literalmente no corpo carnal – de uma criatura falecida.

Ponto de Vista alternativo: Necromancia = Magia “Cinza”

O plano de energia negativa é tão terrível pra uma criatura desprotegida como o plano elemental do fogo ou da água: uma dose extrema da energia negativa é legal letal, assim como fogo ou vácuo.

Animar uma criatura é do ponto de vista técnico, usar uma fonte de energia externa para um fim; isso é até mais ético que criar um golem, que prende espíritos elementais no interior de uma ‘embalagem’ artificial – tão forçada contra sua vontade que tem chance de se rebelar e entrar num frenesi – em alguns casos, irreversível.

 “The animating force for a golem is a spirit from the Elemental Plane of Earth. The process of creating the golem binds the unwilling spirit to the artificial body and subjects it to the will of the golem’s creator.

Ou numa tradução livre, “O processo de criar um golem força um espírito contra sua vontade num corpo artificial e o sujeita a vontade do criador.”. Em outras palavras, o criador abre um portal pra algum plano Elemental, pega uma alma aleatoriamente e coloca na criatura.

Hugs...? ♥
Alternativamente, um zumbi é um cadáver animado com energia negativa – embora seu corpo funcione, a alma original partiu para seu descanso eterno. Contrastando:

“Zombies are corpses reanimated through dark and sinister magic. These mindless automatons shamble about, doing their creator’s bidding without fear or hesitation.”

Tradução livre, parte dois: Esses autômatos se arrastam, realizando as vontades do criador sem temer ou hesitar.”. E mesmo assim, Zumbis são malignos e golens neutros. Criar um golem não é um ato inerentemente maligno, embora acho que ambos deveriam ser – um é uma perversão de um corpo e o outro a escravização de uma alma.

A aversão ao segundo vem do fato de que profanar o corpo de uma criatura falecida, mesmo que sejam em mundos onde a magia é real e possibilita ressurreições e outras coisitas más, é um ato maligno.

Monstros relutantes ou relutantemente monstruosos?

Mortos vivos podem ser simpáticos!
Agora vamos dar uma guinada nisso – se mortos-vivos (não inteligentes) são neutros...

Imagine um pai de família dedicado - ele faz um acordo com um necromante para que após seu falecimento, seu esqueleto seja animado para seguir as ordens dos filhos e com isso ajudá-los em sua fazenda; lembrem-se, mortos-vivos comuns como esqueletos e zumbis não possuem iniciativa própria e ficam parados até receberem ordens.

É “creepy” pra cacete? Demais. Mas faz sentido que um pai que conseguiu um latifúndio em vida aos trancos e barrancos aceite trabalhar pra ajudar sua família até no “além-vida”. Além disso, a alma dele vai pro seu plano de destino, não ficando presa ao seu corpo terreno.

Entretanto, isso também traria mais ramificações: se os mortos-vivos autômatos são ‘neutros’, isso tornaria mortos-vivos inteligentes malignos ainda piores do que são.

Ou podem ser babacas!
Um vampiro padrão de D&D reside na área da escala entre cinza e preto: é forçado a cometer atrocidades porque são compostos da energia negativa, e precisam consumir a energia positiva alheia (a vida dos outros) para se manter inteiros tornando-se “monstros trágicos”.

Quando isso não é verdadeiro, o oposto acontece: múmias, ghouls, mohrgs, vampiros; todos esses mortos-vivos inteligentes são malignos porque a energia negativa é tratada como inerentemente maligna e necessita consumir a energia positiva para se saciar. Numa situação onde isso não é verdadeiro, eles podem ser até bondosos. Um lich não é necessariamente um mago maligno que mata todos quando vê. Vai ver é um cara com uma missão tão importante que seu tempo de vida mortal é o insuficiente, decidindo então tornar-se essa criatura para terminar seu propósito.

Voltando ao vampiro de antes - se esse vampiro não é forçado a sugar sangue para sobreviver... e decide devorar velhinhas no café da manhã assim mesmo, é porque é um babaca (já que é movido por forças externas tão naturais como uma Dríade ou Elemental).

Alternativamente, isso cria uma estranha situação: se a energia é inerentemente maligna, porque esqueletos e zumbis não saem por aí consumindo criaturas (ou cérebros delas, se você preferir assim), já que são animados inteiramente por esse tipo de energia?

Marchem!
Imagine uma situação onde um exército de Terracota seja real - ao invés de ser uma representação de um exército real REALMENTE seja uma legião de mortos-vivos prontos para partirem em defesa de um povo, transformados nesse estado por sua lealdade e devoção aos ideais defendidos. Soa tão ruim assim?

No final de contas, é uma área cinza onde heróis de métodos não ortodoxos e anti-heróis usam o mal para enfrentar o mal – levantar os mortos para servi-lo não é um ato inerentemente maligno se a utilização de energia negativa não o for, mas destruí-los também não é um ato bondoso. Você não estará colocando os mortos em seu descanso merecido visto que a alma original já partiu, exceto no caso de um morto-vivo inteligente, que deve ser tratado como qualquer outra criatura (se agir como um vilão, os fins justificam os meios).

Enfim, são diferentes ideias e formas de usar coisas que já são batidas e talvez possam receber uma revitalização para surpreender seus jogadores!

E se tudo mais falhar, arrume um remo e um par de serras elétricas.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Manifesto em relação ao playtest do D&D Next

Eu mudei de opinião e defendo a seguinte postura, graças a 5e de D&D e aos fóruns da Wizard. Clérigos e magos dependem muito de suas magias, e portanto não improvisam em combate, tornando-se experiências mecânicas puras de metajogo.


O guerreiro mostrou que a vantagem interpretativa de manobras e reações - vantagem essa que as outras classes não possuem por suas muletas mecânicas - faz toda diferença na mesa.


Ao invés de lançar uma bola de fogo, você lança uma magia de longe, rola o dado e interpreta o resultado, declarando que foi uma magia de chamas! Um clérigo tem duas habilidades, cura (limitada a 2x por dia) e bater, onde ele descreverá seus golpes e magia como bênçãos da divindade. Magias diferentes não precisam existir - um mago pode ter duas habilidades, magia de perto e de longe, e serão descritas da forma que o seu jogador quiser. 

O guerreiro não pode ficar sozinho no seu pedestal de interpretação! Entrem nessa inciativa e vamos acabar com listas de magias pra clérigos e magos, pois são artifícios supérfluos que atrapalham a verdadeira interpretação, assim como intermináveis listas de varinhas, bastões, cajados. No máximo, um bordão ou maça, para representar os dogmas vigentes de cada classe - quem usa arma, é Guerreiro e quem usa ferramenta é Ladino.


(sim, isso foi uma paródia) 
Ps: É tão legal demonstrar como um argumento pode parecer ridículo se você mudar ele de lado...

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Desconstruindo RPG tradicional: Porque que níveis como único medidor de progressão?

    Quase todo RPG eletrônico e boa parte dos RPGs de mesa (sejam por tradição ou por escolha deliberada) dividem a progressão das habilidades personagens num único nível geral, que mede seu poder.

E os equips dela nem
são tão bons assim...
Ok, sabemos que contabilizar nível é uma forma fácil e simples de medir o progresso de poder dos personagens, nem que seja por alto. Dá pra se ter uma ideia geral quando você ouve “tenho um monge de nível 14” ou “meu personagem é um Shaman de 45º nível”. Você vê vários módulos de aventuras prontas com os dizeres “para personagens de 13-15 nível”, e dungeons próprias pra personagens do nível. Perceba que esse artigo não é contra a existência de níveis, mas sim níveis que regem toda progressão como única forma medir poder (com exclusão de equipamentos, por exemplo, quando aplicada).

   Agora, a pergunta torna-se: “Um nível geral pra toda progressão é necessariamente ruim?” E a resposta é “Normalmente sim!”. Agora, por quê isso?

      Primeiro, é uma progressão “menos realista” (note aspas) – um personagem que suba níveis ao invés de um crescimento orgânico tem “saltos” inexplicáveis de poder, por conveniência de design. Um guerreiro que sobe de nível subitamente passa a bater com mais precisão, se protege melhor de perigos, aguenta mais golpes e com sorte aprende uma manobra nova de combate, numa tacada só – numa epifânia mágica.

     É como se você estudasse sem nenhum progresso, e no final da ultima semana de aula do semestre, wham, conhecimento novo (incluindo coisas que não estudou) surge magicamente na sua mente – os novos conhecimentos não surgem com aprendizado gradual, mas sim do acúmulo de pontos de experiência.

Não esse tipo de progressão orgânica!
Segundo, mas não menos importante: a ilusão de progresso. Um nível alto não significa alto poder. Um personagem de nível 14 te dá uma ideia geral, mas assim como existem progressões diferentes, discrepâncias podem surgir. Um personagem de nível 14 pode ter muito mais recursos que o esperado, ou menos. Por exemplo, na 3e de D&D, um guerreiro progride de forma aritmética (+1 no ataque, 1 talento a cada 2 níveis), enquanto que um druida progride de forma exponencial (+X magias a cada certo nível, novas habilidades cumulativas com todas anteriores, além de melhorias pra habilidades já existentes).

       Terceiro; a existência de “níveis vazios” em conjunto com a ilusão do progresso. Isso é extremamente comum em jogos eletrônicos ou em aventuras prontas – como é esperado para uma progressão de desafios apropriados, o nível do personagem é que cria o nível do desafio, e que ao subir de nível, você estará pronto para novos desafios. Isso nem sempre é verdade.

       Mesmo que seu personagem tenha nível 12, não significa automaticamente que ele está apto a enfrentar desafios pra nível 12. Especialmente em jogos onde seu equipamento é parte de sua progressão (2/3 dos jRpgs como final fantasy, e basicamente todos edições que se inspiram ou são D&D), teu nível é apenas uma fração do que você pode fazer. Então porque apenas ele conta? Porque guias recomendam “coloque fulano no nível 60 para ter alguma chance de enfrentar o Ornitorrinco Flamejante de Jah” e em seguida “E equipe a espada suprema do queijo parmesão”.

Bem vindo ao nível 3 de Guerreiro!
Aproveite seu nada!
Claro que dentro do jogo pode não ser assim, mas aí é uma explicação dada por conveniência, e não pelo suporte do sistema escolhido – seja ele um RPG de mesa ou jogo eletrônico.

Existem também progressões paralelas representando diferentes níveis de proficiência em diferentes áreas.

Lembro que por exemplo, no jogo Disgaea cada categoria de arma diferente (Espadas, Machados, Lanças, etc) tem um nível de progressão, representando a competência do personagem com aquela – quanto maior o nível da arma, melhores skills de combate são liberadas, assim como o dano recebe um multiplicado exponencial. Assim, um personagem de nível 1 ou de nível 9999 com a a mesma proficiência de, por exemplo, espadas tem o mesmo número de skills que pode usar; esses dois personagens. Por exemplo, esses dois personagens aí pegam numa espada (ui) pela primeira vez; o dano não vai ser o mesmo por causa da diferença de atributos e equipamentos, mas a incapacidade do personagem usar golpes de “alto nível” é igual pra ambos.

Desses 150 pontos, 120 foram o chapéu!

Em jogos como GURPS ou mais recentes como M&M, uma progressão por alto em pontos de personagem contabiliza não o “poder real” de um personagem, mas sim vários aspectos de sua ficha – com 150 pontos você faz o Conan, o velho mago, o ágil ladrão ou o galã meloso que quebra os personagens do npc com sua prosopopeia flácida para acalentar bovinos.

M&M por exemplo, usa níveis (na verdade Níveis de Poder) como limitadores máximos do que o seu personagem pode fazer (ou hardcap, se você se sentir mais confortável com esse termo) e não como numero a esmo – um NP 10 significa que não pode ter nenhuma característica com bônus acima de 10; sua utilidade vem dos efeitos e não apenas do bônus numérico que ele fornece.

Se não são o método mais eficiente ou mesmo o mais fácil de lidar, porque então esse modelo de níveis é defendido de forma árdua?

Até mesmo Final Fantasy saiu dessa progressão de nível como, por exemplo, diferentes classes com caminhos diferentes (em FF13 e 13-2, você não tem “trinta níveis”, mas ganha xp desses trinta níveis pra distribuir em inúmeras habilidades que formam um pacote "parecido com classe”). Se até criadores de jogos eletrônicos percebem que esse método é defasado, porque ele ainda está em voga? Porque é defendido como um dos pilares do design?

                Essa pergunta eu deixo pra vocês responderem.

terça-feira, 13 de março de 2012

MMOs de Mesa: Como assim o "Next" é igual ao "Before"?

                Olha só que bonito, uma postagem de “revival“ do blog (e eu ainda preciso terminar aquele post de Mega Man Zero). Esse é um post sobre a quarta edição, predominantemente, mas não se preocupe, tem veneno pra todo lado e pra todos os gostos! Se parecer informal, é porque é. É uma postagem de fórum expandida e convertida, de forma que eu estou querendo expor meu peixe (ui).

As vezes, certas combinações funcionam
melhor que você esperava.
D&D quinta edição, chamado carinhosamente de D&D Next (ou algo do tipo, “a sua próxima experiência em D&D, a volta do D&D de verdade!”) está sendo feito*, e temos artigos feitos pela dupla dinâmica de escolas-véias assumidos, Mike Mearls e Monte Cook. Eu estou acompanhando esses artigos e sei lá, acho que falta algo neles: algum embasamento que não saia apenas do saudosismo e das regras caseiras (sem hífen) que esses carinhas criam em seus próprios jogos escola-véia, algo que não seja resumidamente “isso aí, cara, mostra pra esses jogadores de WOW como se joga RPG de verdade!”. E aí ignoram 5 anos da 4ª edição.
*assim supomos. Não tem nenhum dado mecânico sobre o jogo, exceto esses dois falando que tem coisas sendo feitas.

Acabou que não achei nada NOS posts desses caras porque 2/3 são glorificações de como as edições anteriores eram legais (mas não a 4ª!) e que o novo D&D vai fazer coisas fantásticas que a 3ª e a 2ª falhavam (mas a 4ª corrigiu, e ninguém quer lembrar dela). Alternativamente. vi coisas interessantíssimas nos comentários, e até comentei sobre isso nos fóruns da Spell (no tópico de expectativa sobre essa quinta edição). Uma das coisas é a desvalorização dos ataques básicos em detrimento de poderes e manobras especiais, e como isso “automatiza” o jogo. Ou melhor, a desvalorização de tudo que não seja poderes e manobras especiais. E aí não tenho como não concordar. Calma. Eu chego lá.

         O cerne do combate em D&D (eu ia dizer só na 4ª, mas é universal) é calcado no seguinte pensamento: "os jogadores estarão fazendo as melhores opções de combate a cada rodada, de forma que isso faça com que eles sejam recompensados com isso". Qualquer jogador de D&D que jogue mais de uma sessão eventualmente percebe que a batalha real sempre é a manutenção dos recursos dos personagens contra os desafios criados pelo mestre, sejam combates ou exploração.

 Se você tem um poder de combate que é melhor que um golpe comum, porque não usá-lo? Quer dizer, pra que eu vou bater com um golpe comum com uma arma, causando [Arma]+Modificador Força ou (2x [Arma])+Modificador de Força (no 21º nível), se no primeiro nível de guerreiro, eu posso dar exatamente esse mesmo dano com um efeito adicional de empurrar o oponente?

                A pergunta não é “Pra que eu vou me limitar em usar uma ação universal sem nenhum bônus” e sim “porque eu DEVERIA me limitar a usar coisas que são menos eficientes do que eu tenho a disposição?”. Um golpe comum é facilmente ignorável se comparada com várias ações com inúmeros bônus ou diferentes sinergias. Defasado, até. Acho que é daí que veio o mimimi de “D&D virou videogame” e “todo mundo usa poder todo tempo”.

                Até parece que isso é algo único da 4e. Exceto que as edições anteriores também sempre tiveram um pé nesse aspecto, onde você recompensará os jogadores com menor perda de recursos (e como eu disse acima, os recursos de um personagem são sua real medida de aguentar ou não – contabilizando cargas de itens, pontos de vida, poções, magias, etc). Então, esse aspecto sempre esteve aí. Confere?

                É muito fácil para certos grupos simplesmente ligar o modo automático e sair porrandolocando tudo na frente com esses mesmos aspectos em sinergia (fulano segura a linha de frente, enquanto beltrano impõe condições, o cicrano bate e joãozinho cura e mantém o grupo de pé, gogogogo 300 dps huehuehueBRBR).

É claro que na prática, não é sempre assim (e nem tem que ser), mas existe uma margem enorme de segurança pra quando você simplesmente está de saco cheio de ficar de firula e simplesmente quer chutar o balde (tipo quando aquele cara chatíssimo que parece utilizar toda e qualquer oportunidade pra fazer um monólogo improvisado usando todas suas aulas de teatro o faz no final de um one shot sem pretensão, só pra falar que eu personagem é profundo, mesmo isso tendo ido completamente contra a caracterização anterior*). O que ponto que quero chegar é esse: A 4e “deu essa margem” porque deixou isso explícito (finalmente!) e isso irritou MUITA gente.
*inspirado em fatos reais, nomes não citados para proteger identidades inocentes teatrais alheias.

                E é isso que a velhanova (olha o duplipensar!) equipe do Mearls e Cook quer “corrigir” que a 4ª fez (direito); o objetivo do design não quer jogadores confiantes de que o mestre precisa se esforçar pra morrer - porque tudo que eles podem fazer está na ficha deles, e o que não está na ficha está no livro do jogador, disponível pra eles. Quando na capa tá escrito que o livro É para o jogador, não tem necessidade de tabelas de itens em livros do / pro mestre; não querem que os jogadores percebam que sim, eles podem ditar o ritmo da aventura ao ligar o automático e trucidar tudo que vem pela frente, porque o sistema te fornece maravilhosas ferramentas pra suportar esse tipo de jogo.

                E convenhamos, é convenientemente usar seus poderes que são mais eficazes que apenas atacar de forma básica. Não é um conceito difícil. Isso nunca mudou. O que mudou foi a forma de como os jogadores encaram isso. Se há um equilíbrio maior entre o grupo, – e alguns dizem em detrimento da diversidade, mas é uma diversidade onde 2/3 de um livro só serve pra 1/4 das classes disponíveis, então pra mim tem algo de errado nessa afirmação – nada mais fácil do que qualquer membro do grupo tomar a dianteira (ao invés de depender de encantamentos favoráveis dos conjuradores que ditavam o ritmo) .

                 Criar aventuras pra esse tipo de jogador – o grupo equilibrado que pode impor um certo ritmo) é um saco e dá trabalho. É muito mais fácil fazer masmorra com armadilha de fosso com espinhos, do que pensar que os jogadores podem FURAR a parede da dungeon pelo lado de fora e contorná-la. Por isso que aventuras prontas pra personagens mais que heroicos (exemplares e especialmente os épicos) são tão raras. É fácil pensar no que para um bundão que só sabe andar e bater e foi condicionado pra pensar que é só isso que ele pode fazer (se parte do material tá longe das mãos do jogador). Por outro lado, é muito mais difícil tentar prever as ações de um grupo que tem consciência do que não pode fazer (porque todo resto subitamente torna-se uma opção válida).

                Eu vou ser ovacionado ou apedrejado por esse comentário, mas vamos lá.

               Pelo outro lado, o jogador que SÓ se atém a ficha vai travar em algum desafio onde os poderes não resolvam. Poderes? Não é só o que seu personagem pode fazer. Aquilo dali é o que você faz em combate. Teu personagem ainda pode e deve interagir com cenário, ter ideias idiotas, fazer besteiras. Ter poderes na sua ficha não evitaria isso, nunca. Desestimulam, porque "não tá mastigado". Mas não evitam. D&D nunca teve um estimulo a interpretação em suas regras, e até o desafio de perícia que tentou esse tipo de interação com a interpretação teve que passar por uma sintonia fina extensa até chegar num modo que funcionasse. Não foi a 4ª edição que tornou tudo um “MMO de mesa” (sério, gente, 5 anos depois e ainda eu leio isso volta e meia, ô implicância). Foram os jogadores usando a ficha como bíblia, e não como guias.

                Onde eu quero chegar com isso tudo? Ao invés de se focar no aspecto saudosista que os dois designers chefes erroneamente insinuam que vai corrigir tudo magicamente, poderiam trabalhar em coisas mais relevantes, como números absurdos que escalam loucamente; citando outro jogo do – ou que pelo menos começou no – sistema d20, M&M. Se você pergunta pra um jogador acostumado a níveis altos em 3e e 4e de D&D, quanto que +5 de bônus significa, a resposta vai ser algo do tipo "não muito, só mais uma gota no balde de bônus". Agora, pergunte o mesmo pra jogadores de M&M e a resposta vai ser algo do tipo "Uau, cara, +5 é muita coisa!", independente do NP.

A 4e quase deu um passo nessa direção com o +½ nível em todos os testes; é o prenuncio de uma matemática se o resto do sistema não esperasse que seu personagem, já tendo +15 de nível também precise de +5 de arma, +10 de atributo, +3 de talentos, sinergia e pra socar um inimigo apropriado.

                Se o jogo que lida com poderes de quadrinhos lida com situações cósmicas com números baixos, porque não aquele que lida com chutar portas e socar orcs não consegue manter uma matemática que siga um padrão?

tl;dr: não cuspam no prato que comeram, designers.


Bônus track! Manifesto anticonjuradores dominando o jogo: versão matemática absurda

                O pior exemplo dessa matemática falha e péssima inflação de números são as perícias épicas da 3e. Elas foram criadas pra dar a ideia de que tem número alto é um floco de especial e único entre os aventureiros e com isso poderoso com habilidades especiais e ‘únicas’; na verdade, serve pra mostrar quanto que um não-conjurador tem que ser idiotamente "poderoso" em números pra emular coisas que conjuradores faziam brincando.

                Como exemplo, Equilibrar-se CD 120 (cento e vinte, você não leu errado) pra ficar de pé numa nuvem, coisa que Clérigos ou Druidas de 8º nível fazem sem testes e MELHOR com Caminhar no Ar (já que podiam, sabe, andar no ar, literalmente)

                Ou o pior exemplo pra mim, que é o de Decifrar Escrita (que por si só já uma perícia situacional e ridícula) com CD 50+5 por nível da magia pra decifrar pergaminhos mágicos (decifrar no sentido de ver o que é, não ativar)... coisa que QUALQUER conjurador faz com Ler magia, aquela de 0º nível, que até mesmo mago que precisa preparar magia, pode fazer SEM ter grimório porque é uma “habilidade natural da classe”. Pra que subir 30 niveis de ladino, mesmo?

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Retrospectiva D&D: Conjurador, a ultima bolacha do pacote – Parte 2

No post anterior, eu falei sobre as origens do arquétipo do mago em D&D, que mistura tudo de bruxos, magos e coisinhas-que-usem-magias de fontes literárias, mitológicas e mais o que seja e as funde numa classe com presença dominadora em mesa. Vamos nessa postagem tentar achar a origem disso tudo e depois analisar as ramificações dessa dominação no jogo e encerrar esse assunto.

O começo da dominação, ou desculpa pra ter uma citação clichê

O mago, na edição original (1e, mesmo) era dominador na mesa porque jogar de mago era um desafio quando tudo queria te matar; a sobrevivência de um mago numa masmorra verdadeiramente Gygaxiana é um milagre e merece recompensa.

Mesmo assim, a capacidade de causar dano em múltiplos alvos e diversos (e limitados) efeitos não eram a garantia da dominação da classe em mesa. Você ainda precisava chegar lá, além do que, o mago era mais uma classe ofensiva e focada em atingir múltiplos oponentes (muito mais próximo da 4ª edição do que se pensa) que superar obstáculos com uma magia própria para cada situação, como nas edições seguintes.
E aí, na revisão da primeira edição, surge o Ilusionista. Ele é bem parecido com o mago, e também usa magias, mas usava uma lista diferente e seus efeitos eram completamente distintos e apesar da versatilidade, perdia em poder bruto. Numa comparação bem tosca, se o mago era o Mega Man, o Ilusionista era o Bass. E tudo permanecia bem.

Eventualmente, as magias foram divididas em escolas, e o ilusionista tornou-se uma classe derivada do mago. As magias de ilusão que ele possuía foram incorporadas na lista sempre crescente de magias, assim como outras escolas. Aí é que começa o perigo. O que acontece quando a classe tem um crescimento de poder, e como visto na postagem anterior, os perigos inerentes que justificariam esse poder ficam mais brandos?

"PODER ILIMITAAAAADO!"
Nessa transição de edições – da primeira para a segunda – o mago deixou de ter uma classe similar, mas distinta para absorvê-la completamente, aumentando e muito sua lista. Chegou um ponto onde as magias do mago tomavam 1/4 do livro, enquanto que as de clérigo tomavam os mais 1/4. Os outros 2/4 eram dedicados para regras gerais, ou seja, aquelas outras classes que não tem o poder de dominar o mundo com um gesto e uma bola de guano ou uma prece e um punhado de visco & azevinho.


Mas o título da postagem é “conjurador”, e não o mago. Isso significa que eventualmente, os servos dos deuses, o clérigo e variantes tornam-se tão apelões como os magos? Estaria mentindo se dissesse que foi imediatamente, porque levaria mais uma edição pra começar, mas clérigos e variantes dividem o posto de rei da cocada preta com o mago.

Lembram dos pontos fortes do guerreiro? Clérigo ganha magias divinas, não precisa se preocupar em perder um livro como o mago pra perdê-las E ainda tem essas características em menor aspecto: Altos pontos de vida, capacidade de proteção e seleção generosa de equipamentos.

Com a entrada de talentos na terceira edição, o poder dos conjuradores cresce exponencialmente. Enquanto um guerreiro compra uma série de talentos que concedem +2 numa manobra limitada, Clérigos compram expansões que escalam com níveis que aumentam a duração de uma magia poderosa, por exemplo, aumentando um efeito de duração de 1 rodada por nível nível para 24 horas – 21600 rodadas, e Magos ganham formas de burlar limites diários de magia com preço ínfimo em peças de ouro.

Game, Set, Match

Conjuradores não tem a faca e o queijo. Tem a faca, o queijo, o prato, a mesa, o pano de prato, a geladeira e a cozinha. Com mais conjuradores com opções poderosas surgindo em outros livros da 3e - como o Archivist, Artificer e Erudit - os conjuradores são capazes de facilmente superar encontros com uso de uma habilidade puramente mecânica e um pouco de criatividade do jogador.

Um encontro de combate pode ser encerrado com um pergaminho de uma magia de atordoamento em área; um encontro social pode ser influenciado com magias que concedem bônus absurdos em perícias sociais. Existem dezenas de livros com novas magias e talentos que podem ser combinados para forçar o sistema de formas impensadas; combos esdrúxulos que causam dano em notação científica ou que permitem que um personagem atinja a onisciência, dentro das regras.

Odiado por 6 entre 10 jogadores 
Até dentro de cenários clássicos os conjuradores são os mais importantes. Pense em 3 npcs importantes de Forgotten da 2ª / 3ª edição. As chances são altas de um deles ser um arquimago ou aquele drow com a pantera. Os únicos personagens com algum poder de mudar o mundo (literalmente aqui) eram os conjuradores; porque um rei teria um mago de nível alto o servindo se literalmente o mago pode estalar os dedos e dominar o reinado através do rei, ou mesmo de ilusões?

Eberron mal tem personagens de nível alto, mas é uma aproximação diferente da fantasia clássica e como tal, tem uma visão mais moderna e até realista: um conjurador de nível alto não serve, ele governa.

E ainda por cima de tudo, existem três motivos importantes que tornam uma campanha complicada nessas edições onde dominam; fica difícil criar um desafio a altura aos conjuradores que não ameace os OUTROS jogadores em excesso, a forma principal de combater magia é colocar outro inimigo que use magia contra e as medidas mais comuns de anular conjuradores são gritantes intervenções de mestre, como por exemplo, combates freqüentes contra inimigos imunes a magia.

Se as outras classes precisam brilhar, não é em detrimento de qualquer outra. Não é mérito ou falha do mestre querer que todos tenham uma chance de brilhar e fazer algo, mas são impedidos por desígnios intencionais de design. Se o mago enfrenta de 10 inimigos, 8 imunes a magia para que um dos colegas faça algo, faria sentido o guerreiro enfrentar uma quantidade equivalente de inimigos que não possam ser atingidos por nenhuma de suas armas ou o ladino enfrentar mortos-vivos onde não possa usar seu furtivo.  

Em suma, o modelo tornou-se o oposto do que era inicialmente: Jogar de conjurador não é a dificuldade que leva a uma recompensa, e sim o easy mode.

Esse é o caminho de um não conjurador!
Comparativamente, jogar de guerreiro é Fighter Must Die porque você não tem recursos que não dependam de magia e a partir de certo nível você é passa a depender dela até para atingir inimigos.

Essa lição de que um nicho dominava o jogo, e em seguida os outros foi aprendida e uma solução foi aplicada na criação da 4ª edição, que cortou fora as asinhas dos conjuradores e diluiu suas características deixando efeitos e recursos disponíveis a todos. Em troca, essa mudança alienou parte da base dos fãs que não quiseram sair de sua zona de conforto.

Deu-se o surgimento de um movimento retro, porque “antigamente era bom”, o que pode ser um sincero “quando os conjuradores mandavam na bunda de todo mundo” como um sentimento real de nostalgia de tempos menos complicados... ou então uma sensação regras menos definidas onde o mestre poderia exigir que o jogador adivinhasse onde a armadilha estava... 

BONUS TRACK: Você precisa declarar o que quer, eu não!

Surge aí o evidente “dois pesos / duas medidas” ainda mais com galera mais old school. Reclamam que rolar para “procurar armadilhas” não é interpretar, mas NÃO tem nenhum problema de usar uma magia para resolver um problema sem nenhum tipo de interpretação, porque esse é o “poder do conjurador”.

Por exemplo, uma magia de Arrombar vence QUALQUER tipo de tranca na 2 E 3ª edições, inviabilizando o uso da perícia do Ladino do grupo. A magia é de nível baixo, e pode ser facilmente feita em pergaminhos ou varinhas.

Links de referência da postagem:

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Retrospectiva D&D: Conjurador, esse lindo – Parte 1


Na ultima postagem eu falei sobre o guerreiro, mas segundo o retorno, acabei me focando demais no aspecto 3ª edição, ao invés de fazer o proposto. Cá estou aqui tentando realizar a postagem em sequência, de forma a fazer o proposto, que é analisar a origem e a evolução da classe escolhida pelas edições de D&D.

A origem do arquétipo do Mago

O mago é o lançador de magias arcano, usando poderes mágicos para criar efeitos instantâneos ou duradouros. Ao contrário do arquétipo do guerreiro que mistura todos os tipos de guerreiro e não tem realmente uma identidade coesa, o mago é o oposto.

Só que ao invés de Coração, adicione "Controle sobre a Realidade"

Ele pega os aspectos de magos de mitologias, lendas, quadrinhos, livros e histórias. Merlin, Circe, Medea, Dr. Estranho, Baba Yaga, Gandalf, Abe no Seimei, Djinns, Prospero, Morgan Le Fay, Kitsunes, a fada Madrinha da Cinderella, entre dois porrilhões outros de arquétipos que fazem magia e os mistura de uma forma louca com um sistema do tipo lance-e-esqueça copiado dos livros de Jack Vance (a série A agonia da Terra / Dying Earth).

Então, quais aspectos desses magos fictícios fazem o mago de D&D ser assustador como classe singular? Simples! Todos os aspectos de todos conjuradores ao mesmo tempo, sob escolha do jogador.  

A dominação do Mago, e sua origem

Tudo começou naquele jogo de 1976 (tradução livre minha):

“Magic-User (Usuários de magia) são talvez os personagens mais poderosos do jogo, mas é um caminho longo e árduo ao topo, e eles começam fracos. A sobrevivência até lá é que é o problema, a menos que Guerreiros protejam o Magic-User até que eles tenham se desenvolvido” – Gary Gygax, Dave Arneson (D&D 1e, Volume 1: Men and Magic)


Mike Mearls (sempre ele, né?) faz um comentário pertinente em sua coluna Legends and Lore.

Um Magic-User tinha os piores pontos de vida e pior CA. Até o 3º nível ou mais, um único ataque poderia matar um mago (como o exemplo infame do mago morto por um gato comum). Um duelo entre dois conjuradores, mesmo de nível moderado era quem disparasse a primeira magia de dano de nível alto. De algumas formas, jogar com um mago era como optar pelo ‘Modo Difícil’.” – Mike Mearls

Começar a jogar com mago foi o equivalente ao “modo difícil”? Com certeza. Não estou falando de jogos que querem emular Old School e o fazem tolhendo aspectos, e sim do 1e original. A diferença é gritante: jogar no estilo chute a porta numa dungeon Gygaxiana é pedir pra morrer, porque tudo LITERALMENTE conspira pra te matar.

Considerando que perder um personagem na 1e significava começar de 1º nível (essas noções de voltar “ao nível do grupo” era inexistentes na época quando a tubaína era com rolha), recompensar um jogador que sobreviveu com um inútil por 10 níveis era algo “legal”. E aí, o cara com 10+ níveis de mago começa a ter o poder crescente que faz a realidade se curvar a ele. 

Não que isso pudesse dar errado.
Dar as recompensas do 'Player Must Die' no modo fácil?

O problema é que o jogo mudou. Nas palavras do Snake: “War has changed”.

Imagine a situação. O jogador usa um pé de cabra e abre a boca da estátua do Deus-Mosca, Brunderfly. Na 1e? Você não só morre como mata o resto do grupo de brinde pelos vapores venenosos. Sem testes, sem choro. Burro.

Em AD&D, o paradigma é mais brando. Receberia um Teste de Resistência (ou “Jogada de Proteção” se você for velho) contra veneno / paralisia / morte e cairia debilitado no chão. Em duas rodadas você morria se não recebesse uma cura mágica.

Na 3e, você teria um Teste de Resistência de Fortitude para evitar ser envenenado, e mesmo se falhar receberia dano nos atributos; perigoso e certamente sacana com o jogador, mas não morte automática.

(para fins de comparação, na 4e, você faz uma jogada da armadilha contra sua defesa de Fortitude para evitar receber um efeito de Dano Contínuo. Se o mestre for sacana o veneno faz perder 1 Pulso de Cura.)

Agora, se o jogo não é tão letal como antes, o mago ainda tem a mesma progressão? Tradição? Não sei. Mas em time que ganha, não se mexe.

Mesmo que seja uma classe com mentalidade “modo difícil, então compensa ser poderoso mais tarde”, existiam formas de tentar simular uma curva de poder mais difícil de ser alcançada, mas normalmente eram meros empecilhos entre o mago e a dominação do Multiverso.

Em AD&D, magos tinham de XP diferenciado para que magos subissem de nível “mais devagar que as outras classes”, de forma a compensar isso.  Na prática, isso não era de diferença relevante se o grupo recebe XP como é descrito no livro (1 XP para cada 1 PO de tesouro) além dos oferecidos por monstros derrotados.

Alguém lembra quando o Kuririn era mais forte que Goku? Todos os 3 episódios?
É a mesma coisa com Guerreiros e Magos.
A divisão é mínima, e o mago ainda sobe de nível, em média 1 nível (ou menos que isso) do grupo.

O problema real aqui é que D&D tornou-se um jogo que recompensa o Domínio das Regras; Monte Cook, um dos designers da 3ª edição de D&D fala isso no seu próprio blog, no polêmico artigo “Ivory Tower Design”, talvez o primeiro artigo onde um dos desenvolvedores do jogo fala abertamente sobre isso.

“A idéia é que o jogo dê as regras e que os jogadores descubram os altos e baixos sozinhos – jogadores que são recompensados por dominarem as regras e fazerem boas escolhas ao invés de escolhas ruins.”

Mas isso pode ser expandido em outra postagem, a parte 2. Acabou que eu falei do contexto e poderes por alto, mas não o que faz a classe ser o que é. Assustadora nas mãos de um jogador criativo.

Esclarecimento pós-post: Antes que algum gênio venha nos comentários dizer que eu não pesquisei, as tabelas citadas de AD&D foram verificadas de novo, e minha memória não me traiu; o mago só fica um nível atrás do guerreiro recebendo o mesmo XP (como grupo), e a diferença só se torna “gritante” depois do 15º nível. E por gritante, quero dizer “um nível e meio”.
  

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Retrospectiva D&D: Combatente, O Zé Ruela

Aproveitando a vibe de Old School que eu estou, e roubando o assunto de umas conversas de MSN com diferentes contatos com diferentes opiniões, esse post fala sobre um ponto polêmico de jogos de fantasia, D&D em particular. Como sempre, esse artigo retrata sobre um monte de edições diferentes de D&D com rasgação de seda e cuspida de prato em todas elas.

Meu foco é o "eterno conflito" entre guerreiros e conjuradores.

Vou falar os pontos “altos” e baixos, e tentar achar alguma origem dos estereótipos e arquétipos dessas duas classes diferentes numa série de duas postagens distintas e de como isso foi desenvolvido no sistema. Hoje, começaremos com...

“O Guerreiro”

Eu gosto de jogar com combatentes; figuras histórias e mitológicas que eu aprecio são combatentes ou lutaram muito em suas histórias de vida ou épicos. Dá prazer ao leitor em ler como o onipresente bárbaro / pirata / rei / governador da Califórnia Conan consegue superar um feitiço de um mago sombrio usando mais seu cérebro que seus músculos (apesar desses ajudarem um bocado na hora de revidar). Atacar um exército inimigo inteiro com o campeão de uma nação jogando Dynasty Warriors (“Corram por sua vida! É Lu Bu!”, mesmo que isso não aumente a expectativa de vida / fuga deles em mais de 3 segundos) é uma excelente experiência.

DO NOT PURSUE LU BU! GODDAMMIT!
E aí eu também gosto de D&D. Óbvio que os dois se somam: gosto de jogar com guerreiros em D&D. Mas eu sempre tive certa dificuldade em criar alguns conceitos personagens com habilidades úteis e memoráveis sem misturar classes e livros (ainda mais na 3ª edição). E porque isso?

O guerreiro de D&D pré-4e não é o Conan, cheio de recursos. Não é o Rei Arthur, ou o bravo Lancelot ou o puro Galahad. O guerreiro nas edições pré-4e não tinha uma identidade; dizer “Meu personagem é um guerreiro” é tão inconclusivo quando você falar que gosta de jogar Mortal Kombat com “Aquele ninja colorido”.

Vou entrar nesse aspecto no post sobre o mago, mas vale o mesmo. A falta de personalidade do guerreiro é por causa de todos esses aspectos citados anteriormente, misturados num único caldeirão. Ao contrário do mago, isso fez com que a classe não tivesse uma identidade real ou mesmo uma faceta icônica (além de aguentar apanhar).

Não é culpa de seu poder de combate (com a melhor progressão de ataque de 1 por nível), tão pouco de sua larga gama de proficiência de armas e armaduras, ou seus bons pontos de vida. Em suma, tudo que o guerreiro faz como classe é uma soma dessas seguintes características (seguida pela regra que as representa) universais dos guerreiros e que estão em (quase) todas edições:
  •          Bate bem (Progressão de Ataque 1/nível)
  •          Lida com diferentes equipamentos (Proficiência com armas e armaduras)
  •          Resistente (Testes de Resistência “físicos” altos)
  •       Aguenta combates na linha de frente (Quantidade boa de Pontos de Vida)
  •    Tem também um ponto extra, e é detrator principal dessa classe.
  •       “Versátil” (Capacidade de aprender mais truques e manobras [via Talentos / 3e])

Até aí tudo bem, é o esperado pelo guerreiro em combate. Infelizmente, nós atingimos a barreiras da “falsa versatilidade”. Existem aproximadamente 70-100 livros oficiais que dão novas opções a guerreiros, na forma de novos equipamentos e manobras como talentos. E isso é ruim?

Sim. Quando as opções se dividem em três categorias:
  •          Manobras básicas aprimoradas (Desarmar sem gerar ataque de oportunidade)
  •          Bônus estático (compre e ganha bônus de +X em algo e esquece)
  •          Novas Opções (como Manobras de combate ou estilos)

 Não parece ruim, mas você tem uma subdivisão extra; talentos ruins, situacionais, e excelentes.  
  •      Ruins são exatamente isso: escolhas que penalizam seu personagem por não escolher algo melhor.
  •       Situacionais, são aqueles que são úteis em alguma situação específica. Se o foco da campanha for uma dessas situações, é uma boa escolha.
  •     Excelentes são aqueles que depois de comprados, o jogador nunca mais vai fazer outra coisa, porque as outras opções são inferiores. Aqui é o caso do Ataque Poderoso Aprimorado, que mesmo sendo de uma classe de prestígio, é bom o suficiente para substituir seus ataques "normais", pra sempre.
Sem as regras de ‘retreino’ (do Livro do Jogador 2, e não da 4e), uma escolha ruim é pro resto da vida, fora as escolhas que são situacionais ou excelentes, mas não escalam bem com os níveis.

Por exemplo, se o guerreiro (como sempre, meu guerreiro-exemplo Joseph, o Foguete) comprar Desarmar Aprimorado e de repentes só enfrenta dragões na campanha, só posso dizer ‘coitadinho’. Ou então aquele bônus de +2 numa manobra que mais tarde não te proporciona nada mais que um apoio moral quando os inimigos resistem com +20 (e isso sem rolar dado).

Nenhuma manobra do guerreiro escala dano por nível (como uma simples e icônica Bola de Fogo, de Xd6, onde X = nível), como as magias dos conjuradores. São dados estáticos, somados apenas por bônus, grande parte dos que acumulam são proporcionados por magia. Um guerreiro com uma espada larga napolitana (três elementos) causará 2d6 da arma e +3d6 dos elementos, fora o bônus de melhoria.

Ou seja, pro guerreiro ser efetivo, ele deve usar itens mágicos. Com seus 17 talentos no 20º nível, o que você pode fazer sem ajuda de itens mágicos? Você sequer consegue bater de forma decente, pois combater um inimigo de nível alto envolve ignorar sua RD com uma arma mágica específica. O mesmo vale pra outros combatentes.

Itens mágicos! Pew pew pew!
Comparativamente, se um conjurador “escolhe” uma magia errada, ele pode trocá-la, mesmo que tenha um repertório de magias limitado por nível (como Feiticeiro, por exemplo).

Mas no final do dia, isso é uma faceta mínima: dano por armas por si só é irrelevante quando você tem acesso a efeitos mágicos.

Simples, pra que tu vai se preocupar em rolar um único dado de dano se com duas Shivering Touch (Frostburn, 3.5) você deixa o inimigo com Destreza 0 e nos turnos seguintes fica brincando de desferir um golpe de misericórdia com shurikens? (História real)

Quem precisa de dano e golpes com armas se você pode abrir um Cubo de Força e jogar Névoa Mortal (Livro do Jogador, 3.5) dentro, que vai matar COM CERTEZA 3/5 de todos os Livros dos Monstros? Pra que tu precisa de guerreiro se você pode abrir Invocar 3d4 Elementais de fogo?

Do outro lado da muralha que divide o mágico com o mundano, temos o Ladino e o Bárbaro:
  •    Um ladino apto a causar furtivo (e um bom ladino de combate SEMPRE está apto a causar furtivo em tudo, via seus poucos talentos) rola obscenidades de 40d6 de dano, isso antes rolar qualquer dado de dano da sua arma. O guerreiro tem 17 talentos, mas não bate assim.
  •   Um bárbaro tem Dado de Vida maior, deslocamento superior e apesar da falta dos talentos que dão “versatilidade” ao guerreiro, tem acesso a Fúria, que escala com nível e fornece meios de deixar qualquer guerreiro comum defasado em relação ataque-dano. Vale ressaltar que os bárbaros têm acesso BEM mais fácil ao Ataque Poderoso Aprimorado que um guerreiro.

Jogar de guerreiro pré-4e é um ato de masoquista literal, se a classe só serve pra apanhar. Não que isso tenha mudado na 4e, a diferença é que agora pelo menos ao apanhar você tem uma chance melhor de revidar, além de (GASP!) ter habilidades mais úteis. Marcar inimigos atingidos para desestimular que atinjam seus aliados não é uma idéia nova (que qualquer jogador de MMO que se preze conhece como puxar Aggro), mas faz com que a classe torne-se capaz de permanecer de pé com suas próprias pernas.

Outros combatentes: Paladino e Ranger

E eu sei que falei horrores do guerreiro pré 4e, mas será que isso se aplica as outras classes derivadas dele? Paladino e Ranger são boas opções? 

NO SHIT, SHERLOCK
Paladino, de forma similar ao monge*, sofre da Síndrome de Dependência de Múltiplos Atributos (chamada de SDMA doravante). É uma classe com identidade DEMAIS; ganha BBA bom, pontos de vida bons, pode curar pelas mãos sem usar magia, tem montaria, poderes de expulsão, magias exclusivas e proficiências de arma e armadura iguais as do guerreiro! O que poderia ser ruim?

Para a moça da direita que disse “ele não é o Druida”, 10 pontos para Grifinória!

*Qualquer Classe que comece com uma comparação “de forma similar ao monge”, é inerentemente catastrófica

O problema do Paladino é querer abraçar o mundo com bracinhos de T-Rex. Você pode fazer tudo que a classe se propõe, só não vai fazer isso bem. Atacar corpo-a-corpo usa os atributos de Força e Constituição para causar dano e agüentar golpes. Conjurar magias exige Sabedoria, e tanto Expulsão de Mortos-Vivos e Curar pelas mãos usa Carisma para efetividade e quantidade de pontos de vida curados.

E é aí que o SDMA surge como o diabinho no ombro do Paladino; investindo em Força e Constituição fará com que suas magias, expulsão e cura fiquem enfraquecidas. Invista em Sabedoria e Carisma e teu paladino poderá conjurar expulsar mortos-vivos e curar, mas será um fraco combatente de linha de frente. Um paladino especializado supre um nicho bem, mas perde potencial das habilidades da classe, embora seja muito eficiente caso o faça.

Como deixar um Old Schooler com raiva: Fale mal do Paladino
Como deixar com fúria, raiva e ódio: Fale que Paladinos decentes, só sendo Dragonborn!
Dependendo do contexto da campanha, um Paladino especializado pode ser extremamente eficiente (combater inimigos malignos), mas depende muito do crivo do mestre em colocar desafios apropriados.

Comparativamente: Bárbaro ou Guerreiro precisam de Força e Constituição; e conjuradores só necessitam do atributo primário de conjuração! Por exemplo, Sabedoria pra Druidas e Clérigos, Carisma pra Feiticeiros e Inteligência pra Magos.

E aí você percebe que ele não ganha Talentos Bônus como guerreiro. Como pá de cal no túmulo da natimorta carreira do Paladino não-especializado, pois no sexto nível ele ganha Remover Doenças, uma vez por semana.

O ultimo prego no caixão é perceber que esse é o mesmo nível que a magia fica disponível a Clérigos e Druidas.

O Ranger é um caso estranho: Sofrem parte da SDMA que os Paladinos, pois tem habilidade de conjuração aliada a combate; ao contrário do Paladino, mas isso pode ser reduzido porque o número de atributos necessários é apenas 3 E uma Sabedoria baixa pode ser suprida com itens mágicos.

Um valor 14 na Sabedoria permite que um Ranger lance todas as magias da classe (pois pode selecioná-las dentre toda lista ao preparar) e use todos os pergaminhos e varinhas que tem acesso.


A faceta principal do Ranger é sua efetividade em uma área restrita: são capazes de fazer poucas coisas, mas as fazem muito bem, como enfrentar / rastrear seus Inimigos Prediletos e são uma das classes mais capazes de aventurar-se na natureza.  

E lutar na pedreira!
Fora desse nicho, tornam-se Guerreiros menos eficientes já que não possuem acesso os Talentos Extras, embora isso seja suprido em parte com os Estilos de Combate que a classe concede.

Assim como Paladino, dificilmente o Ranger vai dominar o foco com seus truques, quase todos voltados para o uso na natureza. Porém, numa aventura que lide com seu foco ou sob desafios feitos sob medida, torna-se uma força a respeitada.

Mas no final do dia, ainda são “guerreiros plus”.

Curiosidades sobre Guerreiros pelas edições

Em AD&D, ao atingir certos níveis na classe ou em investir pontos proficiência numa única arma, o guerreiro poderia realizar múltiplos ataques sem necessitar de ações extras além de atacar. Na 3ª edição, você precisa dedicar duas ações diferentes para realizar a ação de “Ataque Total”, que permite desferir mais de um golpe. Se atacar mais de uma vez*, não se move. Se mover-se não atacará mais de uma vez*.

Porque múltiplos golpes na mesma rodada foram piorados da época de AD&D para 3.0? Para manter o equilíbrio, é claro!

"Multiplos Ataques, Eh?"
*exceto com intervenção de magia, mas isso cairá na mesma regra de “magia pode, você não”.

Guerreiro, na 3ª edição é a classe com mais “níveis vazios” (isto é, níveis onde você não ganha nada além de Bônus de Ataque e talvez Teste de Resistência) depois de Paladino; nos níveis 3, 5, 7, 11, 13, 15, 17 e 19 o guerreiro ganha o mesmo que a Luzia perdeu atrás da horta..

Outras classes que sofrem desse mesmo mal? O já citado Paladino, Swashbuckler e Samurai (Complete Warrior), Ninja (Dragon Magazine), Soulborn (Magic of Incarnum) e Divine Mind (Complete Psionic). A parte interessante é que todas com exceção do Ninja (que é um Ladino piorado) são variantes de Guerreiro ou Paladino.

E falando em Ladino, um nível vazio hilário é o ultimo de Ladino; Ladino 20 é um nível onde nada de valor é recebido; em termos de regras, um Guerreiro 1/Ladino 19 > Ladino 20

Referência e leitura recomendada: