Mostrando postagens com marcador mestrando. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mestrando. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Interpretação e Otimização: Existe correlação?

RPG é um jogo de interpretação de papéis. Isso, todo mundo sabe – ou senão sabe, bem-vindo ao RPG, e esse artigo não é o melhor lugar pra você começar!

Vamos fazer uma pergunta importante aqui: “Você sabe a diferença entre interpretar e representar? Qual a correlação da otimização e interpretação? “

Segundo meu dicionário, interpretar é "Representar um papel, Reproduzir ou exprimir a intenção ou o pensamento de". Isso significa que você, ao assumir o papel de um personagem fictício num mundo igualmente fictício já estará interpretando em qualquer ação que desempenhe.

Ao dizer quais serão as ações do seu avatar fictício, você já está ~interpretando~ o comportamento, reações e atitudes desde personagem dentro dessa narrativa compartilhada. Cada jogador controla seu personagem desta forma, complementados pelos personagens não—jogadores (NPCs), interpretados pelo narrador / mestre. Existem jogos que propõem uma experiência diferente, como por exemplo, a ausência de um narrador / mestre para uma experiência de história verdadeiramente compartilhada entre todos jogadores.

Perceba que “interpretar” quer dizer apenas estar presente no jogo. Mas e a representação, Phil? Onde ela nisso tudo?

A resposta é simples: Ela não entra.

Representar, ou (segundo meu Michaelis) “Apresentar-se no palco ou em qualquer espetáculo público; desempenhar funções de ato” é uma teatralidade opcional, ás vezes agregada a interpretação (isso é, seu papel fictício).

Pera, como assim teatralidade é OPCIONAL!?
Dentro de um ambiente fictício da narrativa compartilhada, falar “Vou tentar subornar o guarda para que passemos pelo portão” deveria ter o mesmo peso que o jogador declamar “Ó protetor dos portais, sabes que faço um apelo a ti com um agrado para que possais olhar para o outro lado.”.  Nesta narrativa não existe distinção: a mensagem e ações passadas são as mesmas: “guarda, toma dinheiro”.

Por que então temos tanta reclamação quanto ao primeiro e tantos elogios em relação ao segundo?

Estamos acostumados a achar que mais rebuscado / elaborado é melhor; ao invés de acharmos um meio-termo agradável entre interpretação e representação, acabamos ignorando a primeira em defesa da segunda. Entretanto, naquele outro artigo, elaboro mais e falo sobre isso – se oassunto te interessou, sempre vale a pena ler!

Temos uma ideia de um eixo / parâmetro / régua que começa no modo automático (personagem meramente reativo), e termina na teatralidade excessiva (onde toda fala de personagem é feita pelo jogador como discursos 1:1), onde o primeiro é algo ruim e o segundo bom. O importante é perceber que em excesso, ambos são nocivos ao jogo como narrativa compartilhada.

Como assim "Interpretar Representar demais é ruim!?""
Agora que a diferença entre representar e interpretar estão bem definidas e fora do caminho, vamos falar sobre otimização de personagens.

Parafraseando uma frase que é papagaiada por tempos imemoriais, desde que a internet é a internet: “Um jogador apenas interessado em combos não quer saber de interpretar seu personagem!”

A atitude de otimizar uma ficha de personagem consiste em minimizar os pontos fracos e fortalecer os já fortes do personagem em questão. Logo, isso quer dizer que ele ficará melhor no que faz – e se o que o personagem interage dessa forma com o mundo fictício, um personagem otimizado fará essa interação com o mundo fictício de forma mais eficaz.

Um personagem otimizado por interesse em seu papel fictício, em relação a sua capacidade de sobrevivência desempenha melhor suas funções: 
 ● Um guerreiro que atinja melhor os oponentes e sobreviva melhor os perigos é um guerreiro bem-sucedido e consequentemente, tem maior chance de ser um personagem que permanece mais tempo em mesa.
 ● Um ladino que consegue causar o máximo de sucesso possível em suas jogadas de perícias tem a capacidade de evitar perigos de forma mais eficaz e com isso trazer maior sucesso para o grupo como um todo.

Veja que combos do nível “posso fazer tudo melhor que todos da mesa” não são otimização. Estes são combos que ultrapassam o nível de aceitação e torna-se algo nocivo. Mas a otimização per se, isto é, a capacidade de fazer bem aquilo que se propõe a fazer não é algo inerentemente ruim – e pelo contrário, é algo até exigido para o bom funcionamento diante de perigos enfrentados por personagens.

O oposto também existe, com pessoas fazendo personagens mecanicamente deficientes, de forma que ele será extremamente malsucedido em atividades que seriam o esperado, além de causar problemas para com seu papel dentro de um grupo.
 ● Um guerreiro que seja fraco ou possua defesas baixas não conseguirá proteger os aliados de inimigos e seu grupo não terá linha de frente;
 ● Um ladino que não é ágil o suficiente para desarmar armadilhas ou perceptivo o suficiente para detectá-las terá uma carreira muito curta como batedor.

Um personagem mecanicamente fraco não é “mais interpretativo” por ter carência numa área. Isso é o equivalente na vida real de um médico que tenha um ataque de pânico ao ver sangue, ou um bombeiro com fobia paralisante ao fogo. Eles não tornam-se mais interessantes por isso, tornam-se apenas incapazes de desempenhar a função a qual deveriam fazer para auxiliar outra pessoa.

Então, temos outro eixo, que parte do completamente inapto para fazer o que é o proposto, ao completamente combado e tomando os holofotes da mesa com seus combos. Um personagem remotamente normal ficaria no meio do eixo, talvez pendendo ligeiramente para um dos lados. Um dos extremos pode causar desavenças na mesa justamente por ser eficaz demais ou inútil demais.

Só lembrar!
Aí você que leu até aqui e conseguiu entender as diferenças das definições, e suas ramificações, não deve nem se surpreender com a resposta da pergunta inicial: “nenhuma”. Não há correlação entre uma ficha funcional (ou não) com ou interpretar bem (ou mal).

Ser fraco / forte mecanicamente está num eixo, que chamaremos de X; ser representativo está num eixo, que chamaremos de Y. Esses dois eixos não tem nenhuma intersecção, são duas linhas retas independentes que avaliam coisas diferentes.

Espero ter esclarecido algo. 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Desconstruindo RPG tradicional: Porque que níveis como único medidor de progressão?

    Quase todo RPG eletrônico e boa parte dos RPGs de mesa (sejam por tradição ou por escolha deliberada) dividem a progressão das habilidades personagens num único nível geral, que mede seu poder.

E os equips dela nem
são tão bons assim...
Ok, sabemos que contabilizar nível é uma forma fácil e simples de medir o progresso de poder dos personagens, nem que seja por alto. Dá pra se ter uma ideia geral quando você ouve “tenho um monge de nível 14” ou “meu personagem é um Shaman de 45º nível”. Você vê vários módulos de aventuras prontas com os dizeres “para personagens de 13-15 nível”, e dungeons próprias pra personagens do nível. Perceba que esse artigo não é contra a existência de níveis, mas sim níveis que regem toda progressão como única forma medir poder (com exclusão de equipamentos, por exemplo, quando aplicada).

   Agora, a pergunta torna-se: “Um nível geral pra toda progressão é necessariamente ruim?” E a resposta é “Normalmente sim!”. Agora, por quê isso?

      Primeiro, é uma progressão “menos realista” (note aspas) – um personagem que suba níveis ao invés de um crescimento orgânico tem “saltos” inexplicáveis de poder, por conveniência de design. Um guerreiro que sobe de nível subitamente passa a bater com mais precisão, se protege melhor de perigos, aguenta mais golpes e com sorte aprende uma manobra nova de combate, numa tacada só – numa epifânia mágica.

     É como se você estudasse sem nenhum progresso, e no final da ultima semana de aula do semestre, wham, conhecimento novo (incluindo coisas que não estudou) surge magicamente na sua mente – os novos conhecimentos não surgem com aprendizado gradual, mas sim do acúmulo de pontos de experiência.

Não esse tipo de progressão orgânica!
Segundo, mas não menos importante: a ilusão de progresso. Um nível alto não significa alto poder. Um personagem de nível 14 te dá uma ideia geral, mas assim como existem progressões diferentes, discrepâncias podem surgir. Um personagem de nível 14 pode ter muito mais recursos que o esperado, ou menos. Por exemplo, na 3e de D&D, um guerreiro progride de forma aritmética (+1 no ataque, 1 talento a cada 2 níveis), enquanto que um druida progride de forma exponencial (+X magias a cada certo nível, novas habilidades cumulativas com todas anteriores, além de melhorias pra habilidades já existentes).

       Terceiro; a existência de “níveis vazios” em conjunto com a ilusão do progresso. Isso é extremamente comum em jogos eletrônicos ou em aventuras prontas – como é esperado para uma progressão de desafios apropriados, o nível do personagem é que cria o nível do desafio, e que ao subir de nível, você estará pronto para novos desafios. Isso nem sempre é verdade.

       Mesmo que seu personagem tenha nível 12, não significa automaticamente que ele está apto a enfrentar desafios pra nível 12. Especialmente em jogos onde seu equipamento é parte de sua progressão (2/3 dos jRpgs como final fantasy, e basicamente todos edições que se inspiram ou são D&D), teu nível é apenas uma fração do que você pode fazer. Então porque apenas ele conta? Porque guias recomendam “coloque fulano no nível 60 para ter alguma chance de enfrentar o Ornitorrinco Flamejante de Jah” e em seguida “E equipe a espada suprema do queijo parmesão”.

Bem vindo ao nível 3 de Guerreiro!
Aproveite seu nada!
Claro que dentro do jogo pode não ser assim, mas aí é uma explicação dada por conveniência, e não pelo suporte do sistema escolhido – seja ele um RPG de mesa ou jogo eletrônico.

Existem também progressões paralelas representando diferentes níveis de proficiência em diferentes áreas.

Lembro que por exemplo, no jogo Disgaea cada categoria de arma diferente (Espadas, Machados, Lanças, etc) tem um nível de progressão, representando a competência do personagem com aquela – quanto maior o nível da arma, melhores skills de combate são liberadas, assim como o dano recebe um multiplicado exponencial. Assim, um personagem de nível 1 ou de nível 9999 com a a mesma proficiência de, por exemplo, espadas tem o mesmo número de skills que pode usar; esses dois personagens. Por exemplo, esses dois personagens aí pegam numa espada (ui) pela primeira vez; o dano não vai ser o mesmo por causa da diferença de atributos e equipamentos, mas a incapacidade do personagem usar golpes de “alto nível” é igual pra ambos.

Desses 150 pontos, 120 foram o chapéu!

Em jogos como GURPS ou mais recentes como M&M, uma progressão por alto em pontos de personagem contabiliza não o “poder real” de um personagem, mas sim vários aspectos de sua ficha – com 150 pontos você faz o Conan, o velho mago, o ágil ladrão ou o galã meloso que quebra os personagens do npc com sua prosopopeia flácida para acalentar bovinos.

M&M por exemplo, usa níveis (na verdade Níveis de Poder) como limitadores máximos do que o seu personagem pode fazer (ou hardcap, se você se sentir mais confortável com esse termo) e não como numero a esmo – um NP 10 significa que não pode ter nenhuma característica com bônus acima de 10; sua utilidade vem dos efeitos e não apenas do bônus numérico que ele fornece.

Se não são o método mais eficiente ou mesmo o mais fácil de lidar, porque então esse modelo de níveis é defendido de forma árdua?

Até mesmo Final Fantasy saiu dessa progressão de nível como, por exemplo, diferentes classes com caminhos diferentes (em FF13 e 13-2, você não tem “trinta níveis”, mas ganha xp desses trinta níveis pra distribuir em inúmeras habilidades que formam um pacote "parecido com classe”). Se até criadores de jogos eletrônicos percebem que esse método é defasado, porque ele ainda está em voga? Porque é defendido como um dos pilares do design?

                Essa pergunta eu deixo pra vocês responderem.

terça-feira, 13 de março de 2012

MMOs de Mesa: Como assim o "Next" é igual ao "Before"?

                Olha só que bonito, uma postagem de “revival“ do blog (e eu ainda preciso terminar aquele post de Mega Man Zero). Esse é um post sobre a quarta edição, predominantemente, mas não se preocupe, tem veneno pra todo lado e pra todos os gostos! Se parecer informal, é porque é. É uma postagem de fórum expandida e convertida, de forma que eu estou querendo expor meu peixe (ui).

As vezes, certas combinações funcionam
melhor que você esperava.
D&D quinta edição, chamado carinhosamente de D&D Next (ou algo do tipo, “a sua próxima experiência em D&D, a volta do D&D de verdade!”) está sendo feito*, e temos artigos feitos pela dupla dinâmica de escolas-véias assumidos, Mike Mearls e Monte Cook. Eu estou acompanhando esses artigos e sei lá, acho que falta algo neles: algum embasamento que não saia apenas do saudosismo e das regras caseiras (sem hífen) que esses carinhas criam em seus próprios jogos escola-véia, algo que não seja resumidamente “isso aí, cara, mostra pra esses jogadores de WOW como se joga RPG de verdade!”. E aí ignoram 5 anos da 4ª edição.
*assim supomos. Não tem nenhum dado mecânico sobre o jogo, exceto esses dois falando que tem coisas sendo feitas.

Acabou que não achei nada NOS posts desses caras porque 2/3 são glorificações de como as edições anteriores eram legais (mas não a 4ª!) e que o novo D&D vai fazer coisas fantásticas que a 3ª e a 2ª falhavam (mas a 4ª corrigiu, e ninguém quer lembrar dela). Alternativamente. vi coisas interessantíssimas nos comentários, e até comentei sobre isso nos fóruns da Spell (no tópico de expectativa sobre essa quinta edição). Uma das coisas é a desvalorização dos ataques básicos em detrimento de poderes e manobras especiais, e como isso “automatiza” o jogo. Ou melhor, a desvalorização de tudo que não seja poderes e manobras especiais. E aí não tenho como não concordar. Calma. Eu chego lá.

         O cerne do combate em D&D (eu ia dizer só na 4ª, mas é universal) é calcado no seguinte pensamento: "os jogadores estarão fazendo as melhores opções de combate a cada rodada, de forma que isso faça com que eles sejam recompensados com isso". Qualquer jogador de D&D que jogue mais de uma sessão eventualmente percebe que a batalha real sempre é a manutenção dos recursos dos personagens contra os desafios criados pelo mestre, sejam combates ou exploração.

 Se você tem um poder de combate que é melhor que um golpe comum, porque não usá-lo? Quer dizer, pra que eu vou bater com um golpe comum com uma arma, causando [Arma]+Modificador Força ou (2x [Arma])+Modificador de Força (no 21º nível), se no primeiro nível de guerreiro, eu posso dar exatamente esse mesmo dano com um efeito adicional de empurrar o oponente?

                A pergunta não é “Pra que eu vou me limitar em usar uma ação universal sem nenhum bônus” e sim “porque eu DEVERIA me limitar a usar coisas que são menos eficientes do que eu tenho a disposição?”. Um golpe comum é facilmente ignorável se comparada com várias ações com inúmeros bônus ou diferentes sinergias. Defasado, até. Acho que é daí que veio o mimimi de “D&D virou videogame” e “todo mundo usa poder todo tempo”.

                Até parece que isso é algo único da 4e. Exceto que as edições anteriores também sempre tiveram um pé nesse aspecto, onde você recompensará os jogadores com menor perda de recursos (e como eu disse acima, os recursos de um personagem são sua real medida de aguentar ou não – contabilizando cargas de itens, pontos de vida, poções, magias, etc). Então, esse aspecto sempre esteve aí. Confere?

                É muito fácil para certos grupos simplesmente ligar o modo automático e sair porrandolocando tudo na frente com esses mesmos aspectos em sinergia (fulano segura a linha de frente, enquanto beltrano impõe condições, o cicrano bate e joãozinho cura e mantém o grupo de pé, gogogogo 300 dps huehuehueBRBR).

É claro que na prática, não é sempre assim (e nem tem que ser), mas existe uma margem enorme de segurança pra quando você simplesmente está de saco cheio de ficar de firula e simplesmente quer chutar o balde (tipo quando aquele cara chatíssimo que parece utilizar toda e qualquer oportunidade pra fazer um monólogo improvisado usando todas suas aulas de teatro o faz no final de um one shot sem pretensão, só pra falar que eu personagem é profundo, mesmo isso tendo ido completamente contra a caracterização anterior*). O que ponto que quero chegar é esse: A 4e “deu essa margem” porque deixou isso explícito (finalmente!) e isso irritou MUITA gente.
*inspirado em fatos reais, nomes não citados para proteger identidades inocentes teatrais alheias.

                E é isso que a velhanova (olha o duplipensar!) equipe do Mearls e Cook quer “corrigir” que a 4ª fez (direito); o objetivo do design não quer jogadores confiantes de que o mestre precisa se esforçar pra morrer - porque tudo que eles podem fazer está na ficha deles, e o que não está na ficha está no livro do jogador, disponível pra eles. Quando na capa tá escrito que o livro É para o jogador, não tem necessidade de tabelas de itens em livros do / pro mestre; não querem que os jogadores percebam que sim, eles podem ditar o ritmo da aventura ao ligar o automático e trucidar tudo que vem pela frente, porque o sistema te fornece maravilhosas ferramentas pra suportar esse tipo de jogo.

                E convenhamos, é convenientemente usar seus poderes que são mais eficazes que apenas atacar de forma básica. Não é um conceito difícil. Isso nunca mudou. O que mudou foi a forma de como os jogadores encaram isso. Se há um equilíbrio maior entre o grupo, – e alguns dizem em detrimento da diversidade, mas é uma diversidade onde 2/3 de um livro só serve pra 1/4 das classes disponíveis, então pra mim tem algo de errado nessa afirmação – nada mais fácil do que qualquer membro do grupo tomar a dianteira (ao invés de depender de encantamentos favoráveis dos conjuradores que ditavam o ritmo) .

                 Criar aventuras pra esse tipo de jogador – o grupo equilibrado que pode impor um certo ritmo) é um saco e dá trabalho. É muito mais fácil fazer masmorra com armadilha de fosso com espinhos, do que pensar que os jogadores podem FURAR a parede da dungeon pelo lado de fora e contorná-la. Por isso que aventuras prontas pra personagens mais que heroicos (exemplares e especialmente os épicos) são tão raras. É fácil pensar no que para um bundão que só sabe andar e bater e foi condicionado pra pensar que é só isso que ele pode fazer (se parte do material tá longe das mãos do jogador). Por outro lado, é muito mais difícil tentar prever as ações de um grupo que tem consciência do que não pode fazer (porque todo resto subitamente torna-se uma opção válida).

                Eu vou ser ovacionado ou apedrejado por esse comentário, mas vamos lá.

               Pelo outro lado, o jogador que SÓ se atém a ficha vai travar em algum desafio onde os poderes não resolvam. Poderes? Não é só o que seu personagem pode fazer. Aquilo dali é o que você faz em combate. Teu personagem ainda pode e deve interagir com cenário, ter ideias idiotas, fazer besteiras. Ter poderes na sua ficha não evitaria isso, nunca. Desestimulam, porque "não tá mastigado". Mas não evitam. D&D nunca teve um estimulo a interpretação em suas regras, e até o desafio de perícia que tentou esse tipo de interação com a interpretação teve que passar por uma sintonia fina extensa até chegar num modo que funcionasse. Não foi a 4ª edição que tornou tudo um “MMO de mesa” (sério, gente, 5 anos depois e ainda eu leio isso volta e meia, ô implicância). Foram os jogadores usando a ficha como bíblia, e não como guias.

                Onde eu quero chegar com isso tudo? Ao invés de se focar no aspecto saudosista que os dois designers chefes erroneamente insinuam que vai corrigir tudo magicamente, poderiam trabalhar em coisas mais relevantes, como números absurdos que escalam loucamente; citando outro jogo do – ou que pelo menos começou no – sistema d20, M&M. Se você pergunta pra um jogador acostumado a níveis altos em 3e e 4e de D&D, quanto que +5 de bônus significa, a resposta vai ser algo do tipo "não muito, só mais uma gota no balde de bônus". Agora, pergunte o mesmo pra jogadores de M&M e a resposta vai ser algo do tipo "Uau, cara, +5 é muita coisa!", independente do NP.

A 4e quase deu um passo nessa direção com o +½ nível em todos os testes; é o prenuncio de uma matemática se o resto do sistema não esperasse que seu personagem, já tendo +15 de nível também precise de +5 de arma, +10 de atributo, +3 de talentos, sinergia e pra socar um inimigo apropriado.

                Se o jogo que lida com poderes de quadrinhos lida com situações cósmicas com números baixos, porque não aquele que lida com chutar portas e socar orcs não consegue manter uma matemática que siga um padrão?

tl;dr: não cuspam no prato que comeram, designers.


Bônus track! Manifesto anticonjuradores dominando o jogo: versão matemática absurda

                O pior exemplo dessa matemática falha e péssima inflação de números são as perícias épicas da 3e. Elas foram criadas pra dar a ideia de que tem número alto é um floco de especial e único entre os aventureiros e com isso poderoso com habilidades especiais e ‘únicas’; na verdade, serve pra mostrar quanto que um não-conjurador tem que ser idiotamente "poderoso" em números pra emular coisas que conjuradores faziam brincando.

                Como exemplo, Equilibrar-se CD 120 (cento e vinte, você não leu errado) pra ficar de pé numa nuvem, coisa que Clérigos ou Druidas de 8º nível fazem sem testes e MELHOR com Caminhar no Ar (já que podiam, sabe, andar no ar, literalmente)

                Ou o pior exemplo pra mim, que é o de Decifrar Escrita (que por si só já uma perícia situacional e ridícula) com CD 50+5 por nível da magia pra decifrar pergaminhos mágicos (decifrar no sentido de ver o que é, não ativar)... coisa que QUALQUER conjurador faz com Ler magia, aquela de 0º nível, que até mesmo mago que precisa preparar magia, pode fazer SEM ter grimório porque é uma “habilidade natural da classe”. Pra que subir 30 niveis de ladino, mesmo?

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Não seja mala, mestre!

Alerta: Muralha de texto. Hooooooo!

É uma generalização grosseira até, mas boa parte dos jogadores de rpg já passaram - ou pior ainda, já fizeram - uma situação em que a decisão e o controle do personagem é feita pelo mestre.

Perceba que não falei em situações como acreditar em blefes ou se sentir intimidado, e sim cenas onde a decisão deveria partir do jogador.

Talvez, em busca de uma cena mais dramática, uma decisão que parece "óbvia" e "condiz com a personalidade de seu personagem", faz com que o jogador perca o controle temporariamente de seu personagem justamente porque o roteiro e desígnios do mestre assim o pedem.

Dessa forma, um jogador de um brujah (faz tempo...) não tem decisão sobre sair ou não de um combate. Ele é um brujah, oras, e brujahs lutam!

Pára tudo, aperta o freio. Como assim? A proposta do jogo não é que o personagem seja meu? Não é sou eu quem controla as ações dele?

Por exemplo, ao invés de perguntar o que o jogador faz quando está na porta da grande mansão do governador, o mestre começa a descrição da porta e corredores, terminando com um "você quer ir pra esquerda ou pra direita?". Todo processo de decisão foi eliminado para uma introdução "cinemática".

Outra coisa desagradável é enviar os personagens correndo e gritando com as espadas desembainhadas na direção do vilão, e aí, é óbvio, eles ficam parados encarando ele enquanto o maldito faz um discurso e termina-se com "rolem a iniciativa" e "fulano, você está mais perto porque... Hum... Eu quis".

Muito comum em aventuras prontas, onde há pequenas (se você for sortudo, serão pequenas) caixas de texto com os dizeres "Leia isso para seus jogadores", enquanto os personagens (e jogadores) ficam olhando enquanto o mestre lê em voz alta todo plano mestre e motivações do inimigo para transformar todos humanos em guaxinins-ornitorrincos e com isso criar uma nova ordem mundial.

Algumas aventuras prontas utilizam unicamente esse recurso como forma de passar a história; seguem uma estrutura rígida de forma que as ações dos jogadores não podem invalidar o roteiro e história previamente preparada, os jogadores tornam-se quase espectadores. Pior ainda quando o clímax é resolvido num duelo(épico) entre NPCs, o que faz com que a participação dos jogadores resuma-se a "seguir o npc chave até o final e assistir a luta".

E pro escritor, o que seria o clímax da aventura, com o parágono do bem enfrentando o poderoso vilão, na verdade não passa de um modo de transformar os jogadores em aprendizes de Falcão Bueno, cujo papel é comentar a luta.

Como quase tudo nesse jogo, se isso for feito de forma bem trabalhada, é -possível- que os jogadores venham a se lembrar como a luta entre dois campeões do bem e do mal (ou seja lá qual for a ideologia defendida por cada). Se for feito de forma ruim, vai ficar ainda mais evidente que as ações dos jogadores não valeram de nada no roteiro. Pra que se esforçar e se engajar no jogo, se no final, tudo que você faz é irrelevante? Bem, não deveria ser!

A famosa aventura "A Mais Longa das Noites", aventura introdutória de Reinos de Ferro (um ótimo cenário, alias) é ao mesmo tempo um exemplo clássico de "siga o npc até o final", com o diferencial de que apesar do livro ser uma história fechada, tem mais opções de "o que pode acontecer caso isso mude" que grande parte das outras aventuras prontas que já li. Claro que temos uma forte... sugestão de seguir a aventura nos trilhos (por exemplo, o livro admite que Alexia precisa escapar no final da primeira parte, senão não tem aventura). Então, se o mestre quiser usar os três livros que comprou, independente dos esforços dos PJs, vai deixar a Alexia fugir. Mesmo que amarrada e amordaçada por jogadores paranóicos.

(Obviamente, existem outras, mas esse exemplo foi mais relevante que eu lembrei, e que os livros eu tinha a mão.)

Ou seja, o verdadeiro problema não está em, ocasionalmente, tomar as rédeas da coisa toda de forma inteligente e levar o jogo adiante, mas sim em abusar do controle e fazer o máximo possível para evitar que os jogadores escapem do roteiro pré-definido que você se matou pra criar e decorar. A questão é: se o enredo é tão bom assim que deve permanecer intocado pelas decisões dos jogadores, o melhor é você aproveitar e escrever um romance com ele.

RPG: Serious Business

Aliás, vamos fazer um experimento interessante. Pare de ler isso e imagine que você está explicando "o que é RPG" pra uma pessoa que nunca viu isso e não sabe o que é esse jogo, nem nunca ouviu falar (talvez por alto).

Imaginou? Okay, deve ter sido algo como "Ah...É um jogo parecido com teatro, só que não tem um roteiro fixo, onde todos os participantes tem vez".

Ênfase nessa frase: Não tem um roteiro fixo.

Afinal, o mais importante do RPG (depois da diversão e das overdoses de coca, lanches e café) é montar uma história em grupo. Aliás, os jogadores não querem seguir uma história que só você inventou, porque provavelmente a sua história é baseada em FF7 ou Ocarina of Time e eles já tem isso em casa no playstation deles, com trilha sonora, button mashing, grind, gráficos bonitinhos, ninguém pra gritar com eles dizendo que estão tomando as decisões erradas no jogo e nenhum compromisso em ficar marcando sessão. (Exceto aquela maldita árvore Deku. Como eu odiava aquela maldita árvores.)

Mestres e jogadores deveriam trabalhar juntos na criação de uma história (nem sempre coesa, mas coletiva), mas por sem nenhuma chance de dúvida, divertida para todos ao redor da mesa (ou todos na sala de bate papo, ou fórum, ou o que seja). A visão do Mestre não é a mais importante e nem deveria ser a única, da mesma forma que um jogador "estrela" deve ser o mais importante da mesa, independente se é uma menina bonita que o mestre quer xavecar (me senti com 40 anos nessa expressão), melhor amigo, irmão, ou o oposto, um jogador que sempre pega os piores inimigos e situações, porque é alguém que o mestre tem algum conflito (fora do jogo).

Vamos ser honestos: Ninguém se diverte com isso. Por mais 'sutil' que seja o roubo, jogadores não são burros e percebem quando alguém tem poder e/ou importância a mais. Ainda mais quando não são eles!

Fazer com que a história gire ao redor de um personagem é possível, mas com a concessão e concordância de todos envolvidos. Já ouvi (e presenciei em mesa, o que é pior) causos horríveis de grupos que se fragmentaram por isso (alias, um dos meus grupos acabou por isso!). Se num determinado momento as decisões de todos jogadores menos um ou dois forem consideradas dentro da história, sem nenhum aviso prévio nem motivo real além da implicância alheia, tem realmente algo de errado aí.

Como dito antes, a interação com os jogadores pode, se encarada como algo relevante pelo mestre, levar a história original programada a diferentes rumos. Rumos que o mestre sequer cogitou. E isso é algo ruim? Depende de que lado do escudo do mestre você está. Se é um jogador, é maravilhoso: suas ações estão surtindo um efeito visível e o mundo de campanha é algo que você pode interagir. Para o mestre não-flexível, pode ser um pesadelo: são dias, e as vezes semanas (dependendo da organização do cara, meses) de preparação jogados fora, com a história tendo um desfecho diferente daquilo que foi planejado com antecedência, impedindo você de fechar as pontas soltas num final digno de obra de arte.

Sei que é uma afirmação bem exagerada pra em ambos lados, mas é uma verdade em escala menor. Ninguém planejaria uma campanha com duração de um ano e gostaria que seus planos fosse por água a baixo na primeira sessão, quando um jogador desconfiado / paranóico ataca e vence o vilão antes que ele traísse o rei, ou o espião que deveria ser um adversário recorrente e se redimir perto do final campanha.

RPG na Internet: Ainda MAIS Serious Business.

Acaba caindo no velho caso da flexibilidade e capacidade de improviso do mestre, e um bom "jogo de cintura". Um mestre rígido demais acabaria a campanha ali, e um mestre extremista, acabaria na hora; um mestre mais flexível utilizaria esse fato para que de alguma forma os resultados das ações do PJs, mesmo que atrapalhassem seus planos do grande vilão, pudessem ter um desfecho lógico.

Diga-se de passagem, um mestre flexível se permite o privilégio de ser surpreendido pelos jogadores, de ser desafiado a criar uma história coerente com acontecimentos fora de seu controle, possivelmente de até se emocionar com sua própria história, ou de ver ela se tornar algo ainda melhor diante de seus olhos.

Utilizando o mesmo exemplo, após os jogadores eliminarem o espião, essa atitude deles serviu para que se tornem alvo prioritário do vilão, já que foram capazes de interromper um plano dele. Além disso, os vilões raramente trabalham sozinhos. E seus aliados, seu clã, sua família? E se o rei não entender que as ações dos PJs foram na intenção de salvá-lo, e resolver punir os personagens com uma boa estadia na masmorra mais próxima por matar um de seus conselheiros sem provocação? São tantos "e se?" que um mestre esperto pode simplesmente remodelar o início da aventura pra algo condizente com a situação atual, e não perder seus "meses de preparação".

Enfim, são inumeras as possibilidades de conduzir um grupo até uma certa aventura sem puxar os personagens pelo cabelo até a fuça do vilão e dizer "rolem a iniciativa", não existe argumento que justifique o controle exagerado que certos narradores exercem em suas campanhas, já foi dito e aqui será novamente repetido: o importante do jogo é diversão, e poucos jogadores vão se divertir num jogo desses, especialmente depois de terem participado de jogos mais livres. Ou "menos sérios, pff" dirá o mestre mala.

Olha só outro termo nebuloso: "Jogar sério"

O que nos leva a outro péssimo hábito que alguns mestres tem, escolher qual vai ser o clima do jogo sem consultar seus jogadores, alguns dos exemplos mais comuns são ralhar com alguém ("você tá avacalhando com o jogo, velho! Tá achando que é brincadeira?") por causa de piadas que fizeram os demais rirem ("Quebrou o clima de tensão, menos 10% de XP"), fazer qualquer estratégia que não seja sacar uma espada e gritar "chaaaarge!" falhar - ou o oposto, colocar combates absurdamente dificeis, "vocês precisam resolver na estratégia, mey! É pra pensar!", mesmo que a estratégia seja obvia pra o mestre... porque como criador da única forma de vencer a criatura / inimigo (algo "intuitivo" como atingir o golem de 3 metros de ferro com um frasco de água benta para anular sua imunidade a tudo), é óbvio para ele (mas não para os outros).

Entre outras formas de "ditadura". Hmm... Isso pode ser expandido para outro artigo. Algum outro dia, eu acho.

Ps Importantíssimo: Esse artigo só pode ser feito com a imensa colaboração da DarkLady com seus eternos 13 anos, Wilken / Kear, capaz de fullparrear enquanto faz corner pressure e da Myako, minha namorada jailbait, sua linda!

tl;dr: Não seja mala, mestre!